Os reservatórios de usinas hidrelétricas em Minas já registram os piores índices da história. Se em Furnas, no Sul do Estado, a situação está caminhando para chegar aos índices baixíssimos registrados na crise que gerou apagões em 2001, em outras usinas o cenário está pior.  

Em Nova Ponte, com peixes morrendo, empreendimentos fechando e cursos d’água secando, um grupo resolveu pedir socorro. O problema vai ser tema de audiência pública nesta quarta-feira na Assembleia Legislativa. E a Itatiaia foi até a região conhecer de perto esse drama vivido por lá. 

Então, seguimos hoje a nossa expedição para mostrar como a crise hídrica já afeta a população mineira e atua como um prenúncio do colapso energético que se desenha no horizonte. A repórter Alessandra Mendes rodou mais de 2 mil quilômetros em 4 regiões diferentes de Minas para fazer um raio-x da crise e seus impactos. 

A água nunca esteve tão baixa em Nova Ponte, no Alto Paranaíba. Por lá, já começou até uma contagem regressiva para o pior: a morte de milhões de peixes que são criados em tanques ao longo dos mais de 400 quilômetros de extensão da represa. Com o nível baixando, a temperatura da água aumenta, cai a oxigenação e os peixes acabam morrendo.  

“O que está acontecendo no rio Santo Antônio. E o rio Capivara? Os peixes todos morrendo. Maior covardia o que estão fazendo”.

Esse é o relato de moradores de cidades ao longo da represa de Nova Ponte, que, a cada dia, contam prejuízos da baixa da represa. Para ficar apenas em dois exemplos, o ribeirão Santo Antônio e o rio Capivara secaram. Eles são afluentes do Rio Araguari, que abastece a Usina de Nova Ponte. Outros cursos d’água na região seguem a passos largos para o mesmo destino. E os peixes estão com os dias contados. 

Ao todo, cerca de 15 milhões de tilápias criadas hoje no lago, que garantem a economia local, correm risco. Um prejuízo estimado de 120 milhões de reais, além do dano para toda a cadeia produtiva. A estimativa é feita pelo do movimento SOS Represa Nova Ponte, formado por autoridades, políticos, especialistas, empresários, pescadores e moradores da região banhada pelo lago que abastece a usina. 

INVESTIMENTOS PERDIDOS

Perde a piscicultura e também o turismo. Quem investiu para receber visitantes, acabou ficando no prejuízo. É o caso do Maurício Eireli, dono de uma marina e de uma pousada em Patrocínio, às margens da BR-462. Como a água baixou demais, os barcos estão parados e os chalés não vêem hóspedes há muito tempo. 

“As embarcações todas paradas. Muitos tiraram os barcos, porque o nível da represa está impróprio. Já ocorreu acidente de embarcações trombarem em tocos.  Tudo parado! Eu emprego uma família direto e quatro a cinco funcionários aos fins de semana. Tenho os chalés, investi 50 mil reais em um trator. Meu foco maior aqui é pescador e pessoal de lancha, jet-sky, mas não aparece nenhuma alma viva”.

Apenas na cidade de Nova Ponte, onde fica localizada a usina e a parte mais alta do reservatório, o prejuízo para o turismo será de quase 100%. E a perspectiva não é de melhora para os próximos dias, como confirma o secretário de Turismo, Esporte e Cultura de Nova Ponte, Diogo Neves. 

“A receita do município em torno do turismo caiu 90%. a gente tinha um manancial de estruturas pra receber turistas. Lagos, rios e cachoeira da Fumaça que está praticamente seca, que atraia muitos turistas. A gente não vê perspectiva positiva. Não só nós, mas o Brasil todo demandaria de muita água para estabelecer o mínimo”.

PIORA NO CENÁRIO

E o Diogo está certo ao prever uma piora no cenário. Já há uma sinalização do ONS, Operador Nacional do Sistema Elétrico, para redução do nível do reservatório de Nova Ponte. O percentual, que hoje está em 11,98% do volume útil, deve chegar a 1%. Projeção feita pelo movimento em defesa da represa aponta que isso deve acontecer no fim de outubro. Um cenário de morte anunciada relatado pela engenheira Cordélia Rios, integrante do SOS Represa Nova Ponte. 

“É a morte anunciada de 15 milhões de Tilápias em criatórios, mais outros milhões de peixes nativos na represa e nos leitos dos rios afluentes. Com seca severa, com a falta de água para geração de energia e até para abastecimento de municípios. O nível de água na represa já está muito baixo. Essa situação está agonizante para a sobrevivência dos peixes e em alguns afluentes. Além de ser extremamente preocupante para os piscicultores, que já deslocaram duas gaiolas e correm sérios riscos de acidentes devido a baixo nível da água. O turismo então? Nem se fala, já foi por água abaixo literalmente”.Hoje, o reservatório está em 783 metros acima do nível do mar, bem distante do nível máximo de 815 metros e bem perto do chamado nível mínimo operacional, quando não dá mais pra gerar energia elétrica. Menos 8 metros e a represa de Nova Ponte chega aos 775 metros e a usina para de funcionar. Mesmo na iminência do colapso, a água continua sendo liberada para gerar energia. Uma decisão questionada por Cordélia e outros integrantes do movimento. 

SEM ÁGUA, SÓ MATO

Com a água sendo escoada para gerar energia, hoje é possível andar quilômetros dentro da represa onde antes havia apenas água. O mato cresceu, o gado pasta em áreas secas e as marcas nas pedras da barragem da usina mostram onde um dia o nível da água já alcançou. Não é história de pescador. Eu andei nessa área, vi de perto as marcas, peguei até carrapato na mata dentro da represa onde antes não era possível andar, a não ser de barco.  

O retrato agora é outro. A usina, que tem 3 turbinas, funciona bem abaixo da capacidade, mantendo apenas uma delas operando. Gera menos energia para preservar o nível da água mas, ainda assim, continua esvaziando a represa. Como água e energia estão diretamente ligados, e com todos os problemas já registrados na região, o secretário de Turismo de Nova Ponte teme o pior, o retorno ao cenário de 2001. 

“Infelizmente o medo existe. O período de estiagem é longo, não tem perceptiva de melhora a curta prazo. Por isso, o medo é evidente. Vamos ter que acostumar com isso. Não dá pra descartar racionamento de água. O período de seca não está próximo de acabar”.

Fonte: Itatiaia

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