Depois de um ano de efeitos da pandemia, só mesmo fé e esperança sustentam Marcelo Rodrigues, 52, dono de um restaurante no bairro Carmo, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. Sem lucro e praticamente sem clientes, o empresário já vendeu um terreno, um carro e agora agoniza em dívidas, demissões e falência. Com uma unidade já fechada e mais de 12 funcionários demitidos, ele espera quase “um milagre” para pagar as dívidas que já chegam a R$ 100 mil. 

“O período de carência dos empréstimos acabou, preciso pagar. A gente vai escolhendo quais contas dá para ir adiando e ter menos prejuízos. Vai deixando para depois IPTU, FGTS, renegociando aluguel, até conseguir ficar aberto, porque não tenho mais de onde tirar, o banco eu não posso dever”, desabafa o empresário, que espera não entrar na estatística da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel-MG).

No Estado, segundo a entidade, 43,4% dos empresários do setor estão com alguma restrição nos órgãos de proteção ao crédito (Serasa e SPC), além de protestos em cartório. A pesquisa, realizada com 420 donos de bares e restaurantes, não considera os débitos em aberto com impostos, taxas, contas de água e luz. 

“A situação está muito dramática, e, por conta dessa negativação, os empresários não conseguem pegar uma nova linha de crédito, porque o critério é esse. A cada dia que passa a tendência é de piora, porque todas as reservas que eles tinham foram se esgotando”, avalia o presidente da Abrasel em Minas, Matheus Daniel. 

De acordo com o levantamento, 98,6% dos empresários precisaram recorrer a empréstimos durante a pandemia e 76% precisaram abrir mão do patrimônio pessoal em nome da sobrevivência da empresa. “A gente não precisa de planejamento só para abrir, mas para fechar também. Eu não vendo mais nada meu para continuar. Há um ano, eu não tiro nada para mim, é só para manter o negócio. A tendência é que eu feche definitivamente”, lamenta o dono do restaurante Paulista Grill, Marcelo Rodrigues. 

Burocracia 
Para o presidente da Abrasel-MG, a morosidade do governo e dos bancos privados na concessão de linhas de crédito contribuíram para agravar o quadro de inadimplência. Com o agravamento da pandemia, o setor teme uma onda de demissões. Em Minas, pelo menos 250 mil pessoas no setor perderam emprego no Estado. Somente em Belo Horizonte, 3.500 bares e restaurantes encerraram as atividades desde o início da pandemia, deixando 30 mil pessoas desempregadas, de acordo com a associação.

“Em abril, 90% dos empresários não conseguiram pagar os salários dos funcionários. Belo Horizonte é uma das cidades que mais sofrem, as ajudas são muito tímidas”, pontua Matheus Daniel. “O poder público não dialoga verdadeiramente com o setor e não tem ideia de como funciona um restaurante, por isso apresenta propostas inviáveis para mantermos o faturamento”, finaliza.

Outro lado

O governo de Minas informou que, para ajudar o setor, adiou em 90 dias o recolhimento do Simples Nacional, além de possibilitar o parcelamento dos débitos das contas de água e luz para os comerciantes. Já o BDMG informou ter desembolsado mais de R$ 3 bilhões para empresas de todos os portes e prefeituras, sendo cerca de R$ 1 bilhão para micro e pequenas empresas desde o início da pandemia. O banco ressaltou ainda que ampliou em três meses o prazo de carência para todos os clientes que contrataram o Pronampe, além de ter melhorado as condições para financiamento do programa “BDMG Giro Já”.

Fiscalização sanitária é um dos principais débito em BH

Em Belo Horizonte, segundo a prefeitura da capital, 3.437 estabelecimentos do setor de bares e restaurantes estavam inscritos na dívida ativa do município até o início de abril. O valor em débito pelo setor ultrapassa R$ 33 milhões. As principais dívidas são em taxas referentes ao auto de infração de posturas e fiscalização sanitária (R$ 6,4 milhões cada); taxas de controle ambiental (R$ 6,3 milhões); fiscalização de localização e funcionamento (R$ 5,3 milhões); débitos de coleta de lixo (R$ 2,5 milhões); fiscalização de engenho e publicidade (R$ 1,5 milhões). 

Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que todos os vencimentos de 2020 relacionados com taxas e impostos foram suspensos e que o prefeito Alexandre Kalil (PSD) encaminhou um projeto de lei para a Câmara Municipal, propondo moratória de todas essas dívidas, que somam R$ 250 milhões.

“O Grupo de Retomada da Prefeitura sempre esteve aberto ao diálogo e à construção conjunta de alternativas e vem recebendo, desde o início da pandemia, as diversas entidades que demandam por agenda”, diz a nota. 

A crise em bares e restaurantes
Entenda a situação econômica do setor em Minas Gerais

Dívidas
– 10,6% devem até R$ 5 mil
– 19,6% devem entre R$ 6 mil a R$ 10 mil 
– 23,5% devem de R$ 11 mil a R$ 25 mil
– 22,3% devem de R$ 26 mil a R$ 50 mil
– 12,3% devem de R$ 51 mil a R$ 100 mil
– 11,7% devem mais de R$ 100 mil 

Empréstimo
– 43,4% precisaram e conseguiram empréstimo
– 29,6% precisaram, mas não conseguiram empréstimo por conta de restrição no CNPJ
– 17,7% precisaram, mas já não havia mais recursos dos programas com boas taxas
– 9,2% não precisaram de empréstimo

Impostos
– 69,9% devem impostos federais (Simples nacional, FGTS)
– 44,2% devem impostos estaduais (ICMS, etc)
– 51,5% devem impostos municipais  (IPTU, TFLF, etc)

Débitos PBH *
Veja as principais dívidas

– Auto de Infração da SMSU (Posturas): R$ 6,4 mi
– Taxa de Fiscalização sanitária (TFS): R$ 6,4 mi
– Auto de Infração da SMSU (Controle Ambiental): R$ 6,3 mi
– Taxa de Fiscalização de Localização e Funcionamento (TFLF): R$ 5,3 mi
– Coleta de lixo: R$ 2,5 mi
– Taxa de Fiscalização de Engenhos de Publicidade (TFEP): R$ 1,5 mi
– Preço Público (Mercados Distritais): R$ 1,4 mi
– ISSQN Simples Nacional: R$ R$ 721 mil
– Preço Público (Mesas e Cadeiras): R$ 711

*Dados até 12/4

Fonte: Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel-MG) e Prefeitura de Belo Horizonte/ O Tempo

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