O uso da expressão “bolsa empresário” para qualificar de forma depreciativa os financiamentos  que o BNDES tem concedido às empresas, ao longo dos últimos anos, tornou-se recorrente para sugerir uma situação de favorecimento,  de compadrio, algo enfim, de certa forma escuso.       

Este bordão tem sido usado e repetido, sem muita cerimônia e, principalmente, sem muito conhecimento de causa, tanto por boa parte dos formadores de opinião quanto por ministros de Estado, até adquirir, na prática, foros de verdade.

Os equívocos, entretanto, começam na própria expressão, graças a um erro conceitual pois, na realidade, o financiamento é concedido à empresa e não ao empresário, e uma empresa é uma organização complexa, feita de empregados, instalações físicas, equipamentos e muito conhecimento.

Eles continuam quando consideram um favor a concessão de financiamentos a juros da ordem¹ de 13 a 15% a.a., pois juros desta ordem de grandeza são considerados “subsidiados” ainda que sejam, em média, maiores do retorno esperado pelo otimista ou incauto tomador  que se arrisca a investir neste pais.

Estamos falando de financiar investimentos, os mesmos que nossos concorrentes internacionais financiam com  menos da metade de nossos juros “subsidiados”. E é bom lembrar que os investimentos são o motor do crescimento futuro do pais gerando empregos, renda e impostos em montante muito superior aos eventuais subsídios embutidos nos juros do BNDES.

Numa sociedade que precisa desesperadamente crescer é uma completa inversão de valores considerar normais os juros de mercado, que vão de “modestos” 50/60 % a.a. a mais de 400% a.a., e demonizar os juros “subsidiados” ainda que estes estejam acima da inflação e do retorno das empresas.

Entretanto se formos discutir o favorecimento do Estado brasileiro a diversos setores existem outras bolsas menos conhecidas embora custem bem mais para a sociedade brasileira. Uma é a “bolsa banqueiro” e aqui o termo é correto porque os polpudos lucros dos bancos, quando distribuídos a seus donos, não pagam impostos.

Se isto não bastar vale a pena lembrar que quando o leitor deixa algum dinheiro no Banco, para fazer face aos compromissos do dia a dia, o banco não só não remunera seu saldo como ainda cobra taxas de administração. Quando, entretanto o mesmo banco deixa sua sobra de caixa no Banco Central – BC, por um ou mais dias, é remunerado pela taxa SELIC.

Outra bolsa, que dá  título ao artigo, surgiu com a criação do Real, que já nasceu  valorizado e tornou mais barato, no supermercado da esquina, comprar manteiga holandesa no lugar da brasileira, ou almoçar em Paris e não em S. Paulo, ou tirar féria na  Europa em vez do nordeste.

Esta festa transformou o Brasil numa espécie de “free shop” e nos quebrou em 1999, com o mercado impondo ao Banco Central uma maxidesvalorização. Após um intervalo de uns três anos, com câmbio razoavelmente ajustado, voltamos ao velho vício de apreciar nossa moeda para conter a inflação o que durou até 2014.

Neste período a indústria brasileira de transformação, apesar dos juros “subsidiados”, foi reduzida quase à metade, se compararmos o valor adicionado em 2015 com 2004, sendo o câmbio apreciado o maior responsável pelo estrago ainda que os juros de agiota com que convivemos ajudassem bastante.

A explicação é relativamente simples. Os preços dos produtos importados baixavam em Reais pois nossa moeda se valorizava com relação ao dólar enquanto os custos industriais subiam, grosso modo, com a inflação e não permitiam à indústria nacional concorrer com os importados nem no mercado interno nem na exportação.

 A agricultura e a indústria extrativa se salvaram, neste mesmo período, graças ao fato dos preços de seus principais produtos terem dobrado e até triplicado, em dólar, graças à demanda chinesa e assim anulando, com folga, o efeito juros+câmbio.

Aparentemente nada aprendemos pois o Real, somente neste mês, se valorizou mais de 10%, e cerca de 20 % no semestre, tirando novamente a competitividade do produto brasileiro, abortando o reinício do esforço exportador e eliminando o único “drive” disponível no curto prazo para uma retomada da atividade.

Causa espécie a naturalidade com que nosso Banco Central  encara o fato justificando o dólar baixo como uma importante ajuda ao combate da inflação. Se isto cria problemas na indústria e no emprego é visto apenas como um efeito colateral desagradável mas aceitável visto que seu mandato é apenas a inflação na meta.

Assim a “bolsa Miami”, existente até pouco tempo atrás quando, graças ao câmbio, as noivas e as jovens mães brasileiras iam a Miami fazer o enxoval do casamento ou dos bebês, ressurge junto com o aumento do déficit na conta turismo e é  justificada face ao cumprimento da  inflação no centro da meta.

A indústria irá encolher mais um pouco, empregos de qualidade serão perdidos, o país voltará a ser fornecedor de matérias primas e de produtos semi industrializados e a importar produtos industriais, como nos tempos do Brasil colônia mas, pelo jeito, tudo isto não vai fazer com que nossa equipe econômica deixe de se preocupar, exclusivamente, com o ajuste fiscal.

*Mário Bernardini é engenheiro e diretor de competitividade, economia e estatística da ABIMAQ – Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e membro do Grupo Reindustrialização

 

¹ Os juros pagos pelo tomador, de um empréstimo tipo Finame para compra de Máquinas e equipamentos, soma a TJLP de 7.5% mais o “spread” do BNDES da ordem de 1 a 1.5% mais os juros do banco repassador que para as PMEs são da ordem de 6% a.a.

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