O Brasil registrou no ano passado 8.111 mortes “a esclarecer” – um aumento de 7% em relação a 2017, quando foram computadas 7.537 mortes do tipo. É o que mostra o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta terça-feira (10) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Isso significa que há mortes que podem ter sido motivadas por violência fora das estatísticas oficiais de assassinatos.
“É
um número extremamente grande. Isso indica um sistema com problemas graves no
que diz respeito ao sucateamento da polícia investigativa como um todo. Falta
interesse nesse investimento, nessa depuração. Mas isso se aplica a todo o
sistema de justiça criminal. Por que a Promotoria não cobra também o
esclarecimento dessas mortes?”, questiona Rafael
Alcadipani, professor da FGV e consultor do Fórum.
O pesquisador do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e conselheiro do Fórum Daniel Cerqueira
também considera o dado “alto e preocupante”. “Há vários casos em que o corpo é encontrado com sinais de violência,
mas a investigação depende de laudos periciais que demoram meses. Enquanto isso
não é apurado, fica como morte a esclarecer. O problema é que depois que se
chega à conclusão de que é um homicídio geralmente o sistema não é atualizado.
E esse dado se perde.”
“Quando a gente compara essas mortes a esclarecer com os dados da saúde que apontam causa indeterminada, há uma coincidência nos estados que têm um número muito expressivo, como São Paulo. Isso acende uma luz amarela sobre a confiabilidade dos registros oficiais das polícias”, diz Daniel Cerqueira.
São Paulo, de
fato, concentra quase 1/3 do total de mortes “a esclarecer” – 2.565 –, que são
classificadas pelo estado como “mortes suspeitas”. Para chegar à estatística,
foram consideradas apenas os “encontros de cadáveres sem lesões aparentes” e as
mortes com “dúvidas quanto a suicídio ou morte provocada”. As mortes suspeitas
acidentais e súbitas não foram incluídas.
Em outros estados, como no Rio de Janeiro, também foi preciso adequar o termo, considerando casos como “encontro de ossadas” e “encontro de desaparecidos mortos”. O estado teve 401 casos no ano passado. Foi um dos oito do país com diminuição na comparação com 2017.

Mortes violentas
O Brasil teve, no ano passado, segundo o Anuário, 57.341 mortes violentas intencionais. Os dados consideram os homicídios dolosos, os latrocínios, as lesões corporais seguidas de mortes e as mortes decorrentes de intervenção policial. Trata-se de uma queda de 11% quando o número é comparado ao de 2017 (64.021).
A queda nos assassinatos foi antecipada pelo Monitor da Violência em fevereiro. Em maio, o Monitor da Violência também fez a relação com as mortes por intervenção policial já incluídas. A queda foi de 10% – índice praticamente igual ao divulgado agora.
A queda é a maior da série histórica do Fórum. Já a taxa de mortes a cada 100 mil habitantes ficou em 27,5 em 2018.
A tendência de queda continua. No primeiro semestre deste ano, segundo o Monitor da Violência, houve uma diminuição de 22% nos assassinatos no país.
Mortes por policiais
O Anuário também mostra outro dado antecipado pelo Monitor da Violência: o de aumento no número de mortes causadas por policiais. O aumento, segundo o relatório, foi de 19% – índice muito próximo do auferido pelo Monitor (18%).
Foram 6.220 mortes em
decorrência de intervenção policial em 2018, contra 5.179 em 2017.
Um dado que chama a atenção
é que o percentual de mortes pela polícia em relação ao total de assassinatos
cresceu de 8% para 11%. O Rio de Janeiro passou a ocupar a primeira posição
nesta proporção: 23% dos assassinatos no estado foram causados por policiais
(em serviço ou de folga) em 2018.
São Paulo, até então líder
na estatística, ficou agora na segunda posição, com 20% do total de mortes
causadas pela polícia.
“A série histórica dos registros de mortes
decorrentes de intervenções policiais no Brasil indica um crescimento paulatino
das mortes provocadas por policiais, o que faz com que as polícias de vários
estados sejam percebidas como violentas”, afirmam os pesquisadores do Fórum
Samira Bueno, David Marques, Dennis Pacheco e Talita Nascimento.
“Este dado preocupa ainda mais quando verificamos a proporção de mortes provocadas por policiais dentro do cômputo do total das mortes violentas intencionais, um indicador utilizado por países democráticos para aferir o uso da força letal pelas polícias (…) Quando o número de mortes provocadas pelas polícias é muito alto em relação ao total de mortes violentas intencionais de determinado território, isso pode revelar abusos e uso excessivo da força pela polícia local”, dizem Samira Bueno, David Marques, Dennis Pacheco e Talita Nascimento.
Roubos
Além da queda nas mortes violentas, os dados apontam uma redução nos registros de crimes contra o patrimônio, como o roubo, que caiu 14,1% em todo o país. Apenas quatro estados tiveram uma alta na estatística: Acre, Alagoas, Rondônia e Roraima.
Houve no Brasil uma queda
de 16,1% nos roubos de veículos, 15,9% nos roubos a residências, 14,2% nos
roubos a pedestres, 32,8% nos roubos a bancos e 20,2% nos roubos de cargas.
“Há um mínimo de melhoria econômica, o que acaba afetando o indicador de roubo, furto e crimes contra o patrimônio. E a gente estava atingindo índices muito alarmantes. Então há uma queda agora não só nesses tipos de crime, mas no geral”, afirma Rafael Alcadipani.
Samira Bueno,
diretora-executiva do Fórum, diz que é difícil determinar uma causa para todos
os roubos, mas afirma que existem alguns indícios para a queda. “Houve mudanças
na legislação que dificultaram os desmanches de roubos de carros, legislações
estaduais que dificultaram a receptação. Os roubos a instituições financeiras
também já não valem mais tanto o risco. Há muitos avanços na tecnologia do
universo bancário, menos dinheiro nos caixas, uma série de dispositivos. As
câmeras eletrônicas registram mais roubos.”
Pessoas desaparecidas
Dados do Anuário revelam também
uma queda no número de pessoas desaparecidas. Foram 82.094 registros, ante
83.701 em 2017. O número de pessoas localizadas, porém, também caiu. Foram
52.328, contra 55.923 do ano anterior.
O Fórum ressalta que as
informações sobre pessoas localizadas foram fornecidas pelos estados, mas não
foi possível apurar como o registro é realizado e se diz respeito a pessoas
localizadas vivas ou mortas e se o encontro está ou não vinculado a eventos de
desaparecimento previamente reportados. “Assim, os registros de pessoas
localizadas no ano de 2017 não correspondem necessariamente aos casos de
pessoas desaparecidas registrados no mesmo ano.”
Suicídios
No caso dos suicídios, houve um aumento no país, de 4,2%. Foram registrados, em 2018, 11.314 casos, ante 10.816 do ano anterior. A maior parte dos estados teve uma alta nos registros.
Esta terça (10) marca o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio. Na segunda (9), um relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que cerca de 800 mil pessoas acabam com suas vidas todos os anos no mundo, o que equivale a uma morte a cada 40 segundos.
A região das Américas, segundo a OMS, é a única que registrou um aumento.

Fonte: G1 ||