Muitos países, inclusive o Brasil, ainda de maneira tímida, já iniciaram a imunização contra a Covid-19. Paralelamente à negociação do poder público para a compra de doses importadas, pesquisadores brasileiros trabalham há meses no desenvolvimento de imunizantes nacionais.

Sem os recursos bilionários com os quais as pesquisas estrangeiras mais avançadas trabalham, entretanto, nenhum dos estudos brasileiros chegou aos testes em humanos, e não há expectativa de serem disponibilizadas à população no curto prazo. Os recursos públicos, mais utilizados na importação do produto, não chegam como deveriam aos pesquisadores.

Cerca de uma dezena de vacinas é pesquisada no Brasil, sendo pelo menos duas delas em Minas Gerais – o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) não informa quantas acompanha, e os próprios pesquisadores dizem que o número aumenta a todo tempo. Em agosto, o MCTI prometeu R$ 9 milhões para vacinas brasileiras. Em comparação, só a Pfizer recebeu um contrato de quase US$ 2 bilhões de um programa do governo norte-americano para desenvolvimento e produção de seus imunizantes.

“Você consegue uma verba de alguns milhões, isso demora, e há interrupção e descontinuidade dos recursos disponíveis. Se não dermos valor à ciência, vamos ter que ficar aguentando o que os outros países enviam para a gente e ter pouca independência”, reflete José Cássio de Moraes, especialista em imunização e membro do Observatório Covid-19 BR.

Disponibilizar uma vacina contra uma nova doença em menos de um ano, como as grandes farmacêuticas estrangeiras estão fazendo, é um feito inédito, e a expectativa dos pesquisadores brasileiros não era ter o mesmo pique com a quantidade limitada de recursos a que têm acesso historicamente. A luta para o financiamento de pesquisas no Brasil não é uma novidade da pandemia, pontua o pesquisador Ricardo Gazzinelli, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas (INCT-V), vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais.

 

Em parceria com a Fiocruz Minas, seu grupo de pesquisa recebeu cerca de R$ 3 milhões de investimento público, a maior parte por meio do MCTIC, mas também com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). A opção de imunizante que estuda utiliza a base de vacinas contra o vírus influenza e está em testes pré-clínicos, sendo testada em camundongos. O montante que recebeu até agora é o bastante para chegar, talvez, até a fase um dos testes clínicos, com aplicação em humanos. Para alcançar a fase três e escalonar a produção industrial, seria necessário um recurso pelo menos dez vezes maior, estima, o que ainda não foi negociado.

O professor Sérgio Costa Oliveira, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, está nas fases iniciais de pesquisa de uma vacina anti-Covid com base na atual vacina BCG. A intenção é proteger contra o novo coronavírus e a tuberculose simultaneamente, aproveitando o imunizante que está na caderneta vacinal do Ministério da Saúde desde os anos 70.

Oliveira se debruça sobre a BCG há anos, mas diz ter enfrentado sucessivas interrupções na pesquisa em momentos de escassez de recursos públicos. O estudo atual tem aporte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), porém Oliveira não sabe se o financiamento continuará para as fases posteriores da pesquisa. Em um cenário ideal, a vacina será finalizada em pelo menos dois anos.

Por ora, o apoio das gigantes da indústria farmacêutica não é uma opção. “Elas não nos procuraram. Entram quando o estudo está mais avançado. É preciso o poder público alavancar as pesquisas para a indústria investir”, conclui.

Pesquisas do país podem ser úteis

As vacinas pesquisadas no Brasil não devem ficar prontas a tempo de interromper a pandemia no próximo ano, mas podem ser, no futuro, um complemento à vacinação com a tecnologia estrangeira e a base para outros imunizantes em novas crises sanitárias.

“Se nossas vacinas forem obsoletas, pode ser mais barato comprar de fora. Em outra pandemia, para outro coronavírus, pode ser que as vacinas desenvolvidas no Brasil sejam aproveitadas. As vacinas estrangeiras que são disponibilizadas agora, como a da Pfizer, não surgiram do nada, era uma pesquisa que estava sendo feita”, pondera o pesquisador José Cássio, especialista em imunização.

A chinesa Sinovac e a britânica AstraZeneca têm um acordo para transferir a tecnologia das vacinas que desenvolveram para o Instituto Butantan e para a BioManguinhos, respectivamente. Assim, a produção das vacinas será nacional, mesmo com a tecnologia estrangeira. 

Falta de investimento antes da pandemia atrasa os estudos

Um dos problemas que colocam a ciência brasileira em relativo atraso no desenvolvimento das vacinas é a falta de investimento anterior à pandemia. Pesquisadores estrangeiros que avançaram na corrida, como a professora Sarah Gilbert, da Universidade de Oxford, que produz um imunizante com a empresa AstraZeneca, tinham uma solução vacinal praticamente pronta antes de o novo coronavírus eclodir, já que pesquisavam algo similar há anos e receberam investimentos vultosos em 2020.

“Colocar em movimento um carro que estava parado gasta uma energia muito maior. Muitos grupos em Minas têm competência para fazer várias coisas e estavam parados quando a pandemia começou”, pontua Ricardo Gazzinelli. 

Fonte: O Tempo Online

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