O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), determinou a criação de uma comissão especial para discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19 que obriga o voto impresso. No entanto, também na semana passada foi instalada outra comissão especial na Casa para debater uma reforma eleitoral já para a eleição do próximo ano e que incluiria a questão do voto impresso.

A PEC que exige a impressão de cédulas em papel na votação e na apuração de eleições, plebiscitos e referendos no Brasil é de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF). Ela também integra a comissão instaurada na semana passada para discutir a PEC 125/11, que veda a realização de eleições próximas de feriados nacionais, mas cujo escopo deve ser ampliado para debater outras propostas no bojo de uma nova reforma eleitoral.

Na visão de um deputado que integra a comissão já criada, a decisão de abrir outra comissão é apenas um gesto político de Lira ao presidente Bolsonaro, que o apoiou para a eleição da Câmara.

“É para dar uma resposta aos correligionários do presidente e é um gesto importante político para esse grupo. Agora, isso não gera prejuízo nenhum à comissão”, disse o parlamentar, que acredita que o tema do voto impresso acabará sendo discutido na comissão da reforma. “No fim das contas, esse tema acabará indo para a nossa comissão”, completou.

Na avaliação do presidente da comissão que analisa a PEC 125/2011, o deputado Luis Tibé (Avante-MG), a determinação de criação de um novo colegiado para debater o voto impresso em nada prejudica os trabalhos da comissão da reforma.

“Essa questão é um outro debate que pode ser feito na comissão, mas uma comissão específica teria mais celeridade e um debate mais intenso dessa questão”, disse. 

Ele afirmou ainda que a comissão já criada deve focar em questões mais diretamente relacionadas a uma mudança no sistema eleitoral.

“Essa questão do voto impresso é mais técnica do que o tema propriamente dito da reforma política. A reforma vai tratar de coisas como o modelo da eleição, se vai ser distritão, se vai ser do jeito que está, ou seja, proporcional, ou alguma outra proposta que seja apresentada”, disse.

Já o vice-presidente da comissão, eleito na primeira sessão realizada na quarta-feira, deputado Fred Costa (Patriota-MG), não comentou a criação de outra comissão. Mas, destacou a importância da discussão sobre a reforma política. “É uma comissão fundamental para definir não só as regras políticas, mas mais do que isso, o futuro das próximas gerações”, disse.

A reportagem procurou a deputada Bia Kicis, que integra a comissão já criada e é autora da PEC do Voto Impresso, mas a assessoria informou que ela não tinha agenda para uma entrevista. Já a deputada e relatora da comissão instalada, Renata Abreu (Podemos-SP), não respondeu. 

‘Tempo hábil’

O presidente da Câmara, Arthur Lira, informou por meio de nota que a Comissão da Reforma Política deve ter uma discussão “muito forte do sistema, se fica o distritão, se fico atual, se tem federação, mas todas essas discussões terão tempo hábil de discussão, agora, de começo de maio até outubro”.

Já sobre a comissão do voto impresso, informou que acredita na segurança do atual sistema, mas que pretende promover um debate transparente sobre o tema, inclusive com participação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

“A CCJ aprovou, e instalarei a comissão do voto impresso para discutir. Vou procurar, já procuramos o ministro Barroso; vou procurar o ministro Alexandre, que será o próximo presidente do TSE; e todos os que têm interesse nesse assunto, porque, a discussão sendo transparente, podendo acontecer, não vejo prejuízo nenhum, porque você tira das dúvidas. Eu acredito no sistema atual, eu acho que ele não é perfeito, como nada no mundo, mas ele é muito seguro”.

Especialista critica volta do voto impresso

Apesar de o principal argumento de quem defende o voto impresso ser a segurança das eleições, o professor de Direito Eleitoral na PUC Minas e na Faculdade Arnaldo, João Andrade, alerta que a impressão dos votos pode ter um efeito oposto ao desejado, ou seja, criar dúvidas sobre o processo, uma vez que uma eventual diferença entre o resultado apontado na urna eletrônica e na urna de papel criaria um imbróglio.

“Esse fetiche de que o papel vai comprovar algo só nos traz mais problemas porque imagine se a quantidade de votos depositados na urna eletrônica não coincidir com a quantidade de votos depositados na urna de papel. O que vai fazer? É a urna de papel? Porque a probabilidade disso acontecer, ou seja, de haver discrepância, é grande, até pelo próprio processo de apuração da urna de papel, onde os votos podem se perder, podem ser lidos incorretamente. Então, entra em um interminável ciclo de verificação do que já foi verificado e que tem que ser verificado de novo”, disse.

Ele lembrou que apesar da alegação de risco de fraude, as urnas eletrônicas passam por inúmeros testes e atualizações a cada pleito (acompanhados pelos partidos, realizados no dia das eleições com urnas sorteadas e monitoramento internacional) e nenhuma eleição desde a implantação do voto eletrônico no Brasil registrou problemas.

Em 2014, quando a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) venceu as eleições contra Aécio Neves (PSDB), os tucanos pediram a recontagem dos votos e, após um processo de auditoria da eleição, apresentaram um relatório ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atestando não ter encontrado fraude no resultado. 

PEC propõe impressão e depósito automático

A PEC 135/19, de autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-SP) exige a impressão de cédulas em papel na votação e na apuração de eleições, plebiscitos e referendos no Brasil.

Na proposta, a parlamentar e outros signatários, afirmam que, dessa forma, o eleitor pode conferir a cédula antes que ela seja depositada “de forma automática e sem contato manual, em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”.

A medida, segundo justificativa que acompanha o projeto, tem como objetivo “garantir a confiabilidade do processo, sem que sejam perdidos os resultados dos avanços tecnológicos implementados na Justiça Eleitoral”. 

A deputada relaciona ainda algumas legislações aprovadas pelo Parlamento, mas que acabaram sendo julgadas inconstitucionais e afirma que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem agindo no sentido de derrubar essas leis.

O voto impresso é defendido abertamente pelo presidente Jair Bolsonaro. Inclusive, durante sua última live, ele disse que se o Congresso aprovar o voto impresso e auditável, este será adotado no Brasil.

“Se o Parlamento brasileiro, por maioria qualificada, por 3/5 da Câmara e no Senado, aprovar e promulgar, vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Vou nem falar mais nada, vai ter voto impresso. Porque se não tiver voto impresso é sinal de que não vai ter eleição, acho que o recado está dado”, disse. A declaração foi uma resposta ao ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso, que disse que o voto impresso criaria o “caos” no país. 

Procurado, o TSE não se manifestou sobre as alegações apresentadas na PEC 135/19. Na sexta-feira, a Corte lançou uma campanha em defesa das urnas eleitorais, apresentando as razões pelas quais não haveria risco de fraude, e destacando que até hoje nunca houve qualquer problema de irregularidade no cômputo dos votos.

Fonte: O Tempo

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