Fernanda Calgaro e Gustavo Garcia/ G1

A Câmara dos Deputados se preparava na noite desta segunda-feira (19) para votar uma proposta que criminaliza o caixa 2, que é a doação eleitoral não declarada à Justiça Eleitoral, mas, sob pressão de alguns partidos, o texto acabou sendo retirado de pauta.

Na prática, como a lei só poderá ser aplicada a partir da sua aprovação pelo Congresso, o texto abriria brecha para anistiar quem fez uso de contribuições ilegais em eleições anteriores.

A inclusão do texto na pauta foi feita de última hora, o que provocou protestos em plenário, principalmente de deputados do PSOL, da Rede   e do PSD. Houve tumulto entre os parlamentares, que se revoltaram com a situação.

A costura do texto havia resultado de uma articulação suprapartidária, que vinha sendo feita havia algumas semanas, com o aval do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tanto por partidos governistas, como PMDB, PSDB, DEM, PR e PP, como da oposição, como PT.

Diante da polêmica em plenário, o deputado Beto Mansur (PRB-SP), primeiro-secretário da Câmara que presidia os trabalhos, aceitou uma sugestão do líder do PSDB, Antonio Imbassahy (BA), um dos parlamentares à frente das negociações, e retirou o projeto de pauta. Em seguida, a sessão foi encerrada.

“Retirei de ofício porque não há entendimento de plenário”, afirmou Mansur. Ele comandou a sessão em razão da ausência de Rodrigo Maia, que assumiu interinamente a Presidência da República por conta de uma viagem de Michel Temer aos Estados Unidos. O vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), também não compareceu à sessão.

Inicialmente, a sessão da Câmara havia sido convocada para votar outras matérias e a previsão era que, em seguida, ocorresse uma sessão conjunta do Congresso Nacional, com senadores e deputados.

No entanto, conforme as articulações foram ganhando corpo, uma nova sessão da Câmara foi aberta para viabilizar a votação do texto sobre caixa 2, o que provocou o cancelamento da sessão do Congresso.

Colocou-se em pauta um projeto que tratava sobre questões eleitorais e estava com a tramitação parada havia quase dez anos. No entanto, esse projeto tinha uma urgência aprovada anos atrás, o que permitia que fosse votado a qualquer momento. A estratégia regimental seria apresentar um substitutivo a esse projeto antigo.

Quando a pauta foi anunciada, houve uma revolta generalizada no plenário. A sessão chegou a ser suspensa por cerca de uma hora. Enquanto isso, os líderes envolvidos nas negociações se reuniam a portas fechadas para discutir os termos finais de um texto que seria proposto em substituição ao que estava na pauta.

A proposta era usar como base uma das medidas apresentadas pelo Ministério Público Federal ao Legislativo de criminalizar o caixa 2. A proposta faz parte de um pacote com dez medidas de combate à corrupção e que recebeu o apoio de 2 milhões de assinaturas de cidadãos comuns.

Atualmente, o político que faz uso dele pode ser punido por falsidade na prestação de contas, com pena de até 5 anos de prisão. Uma proposta do Ministério Público Federal (MPF) quer que os partidos também sejam punidos pela prática.

Além da criminalização de caixa 2, um grupo defendia que houvesse uma emenda anistiando o caixa 2 praticado em eleições anteriores. Diante da repercussão negativa, acabou-se abrindo mão desse trecho.

O acordo final entre os partidos era que o líder do PR, Aelton Freitas (MG), seria o relator e apresentaria o substitutivo, mas ele nem chegou a fazê-lo porque a sessão foi encerrada antes.

A inclusão repentina na pauta causou estranhamento generalizado em boa parte do plenário. No entendimento de alguns deputados contrários à votação do projeto, o texto tinha como objetivo blindar partidos que poderiam ser alvo de delações premiadas no âmbito da Operação Lava Jato.

“Querem aprovar isso antes da formalização de acordos de delação premiada da Odebrecht e da OAS, que devem trazer acusações de caixa 2. Aprovando essa medida, vai acabar livrando todo mundo. O que está acontecendo aqui é uma bandalheira, maracutaia, um trambique”, acusou o líder do PSOL, Ivan Valente (SP).

“Eles querem apagar a corrução do passado. Na calada da noite, estão querendo atropelar o eleitor brasileiro”, emendou o deputado Jorge Solla (PT-BA), um dos contrários dentro do seu partido.

Favorável à aprovação do projeto, o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) negou que o projeto traria qualquer tipo de anistia.

“Desde o início, defendo o texto do Ministério Público. Acho que os procuradores conseguiram fechar todas as brechas possíveis para tipificar esse crime. Agora, uma vez aprovado, acho que provavelmente essa questão de eventual anistia seria questionada na Justiça”, afirmou.

Antonio Imbassahy justificou a votação do projeto nesta segunda para que desse tempo de o teor valer já para as eleições municipais deste ano. Diante da proibição de doações privadas, muitos políticos reconhecem que poderá haver um aumento de caixa 2 para bancar as campanhas eleitorais.

“É razoável aprovarmos agora para valer já para essa eleição”, disse. Depois de passar na Câmara, o projeto ainda teria de ser apreciado pelo Senado.

Depois da sessão, Beto Mansur admitiu que a colocada do projeto em votação foi “atabalhoada”, mas disse desconhecer de quem partiu a decisão de colocar a proposta em votação.

“Eu sentei ali e cumpri com meu dever como presidente. Eu não tenho nada com caixa dois, não estou na Lava Jato, não tenho nada com isso. Eu, graças a Deus, não faço coisa errada”, disse Mansur.

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