A tragédia em Capitólio poderia ter sido evitada. Especialistas em geologia e engenharia de Minas ouvidos pela reportagem de O Tempo alertaram para a necessidade do monitoramento do cânion, uma das principais atrações turísticas de Minas Gerais, para acompanhar o processo de desprendimento das rochas da região. 

A Defesa Civil do Estado foi avisada do possível colapso das rochas em 2019. No dia 28 de janeiro daquele ano, a engenheira de minas Carolina Takano, 30, enviou um e-mail para o Gabinete Militar do Governador e a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil com um alerta sobre a necessidade de uma “inspeção geotécnica para mapear os riscos e tomar as devidas precauções”.

À época, o órgão disse que a demanda seria repassada à equipe técnica. Questionada nesse domingo (9) sobre para onde a demanda foi encaminhada, a Defesa Civil não se pronunciou.

A engenheira percebeu o problema ao passear como turista com a família. “Passamos o réveillon de 2019 na região e aproveitamos para passear nas lanchas pelo lago de Furnas. Em determinado momento, chegamos em um ponto e vi um paredão cheio de blocos soltos”, relembra. Carolina chegou a alertar o rapaz responsável pelas lanchas. “Conversei, mas ele alegou que nunca tinha acontecido acidente na região”.

A professora Maria Parisi, do Departamento de Geologia da UFMG, explica que a área já era predisposta à ruptura e o paredão que se desprendeu tinha características que indicavam que essa ruptura poderia ocorrer. “Os sinais a que me refiro é porque tenho o olhar técnico. Já dava para enxergar sistemas de fraturas. Existia uma bem repetitiva e muito prolongada na rocha, de forma vertical, ao longo de todo o paredão. Ainda tinha uma outra fratura mais horizontal. Isso é comum nas rochas, pois elas sofrem pressão. Não acontece somente em Capitólio”, disse. 

Com um volume maior de chuva nos últimos dias, as fraturas vão permitindo mais entrada de água e, consequentemente, um “enfraquecimento dos minerais”. “A rocha vai perdendo resistência e a ruptura acontece. A superfície que aparece após a queda mostra que a fratura já estava predisposta a se romper pelos sinais de percolação de água ali existente”, diz Parisi. Segundo ela, os blocos deveriam ser avaliados constantemente e desplacados com antecedência, evitando os riscos aos turistas. 

 Tombamentos de massas rochosas não são incomuns

Segundo o professor da PUC Minas e diretor técnico da empresa Geocontrole, Guilherme de Freitas, os tombamentos de massas rochosas não são incomuns e isso pode acontecer novamente em outros pontos do cânion de Furnas. “Tombamentos de forma natural ocorrem na natureza o tempo todo. Naquela situação, havia turistas se expondo ao risco”.

Para o especialista, os condutores das lanchas poderiam ser orientados por órgãos do poder público. “Tem profissionais nas prefeituras, no Estado e na Defesa Civil que poderiam identificar e pedir para que as pessoas não fiquem tão próximas às encostas”. 

Presidente do núcleo mineiro da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia, o geólogo Romildo Dias explica que há profissionais capazes de fazer um mapeamento da situação geológica de uma região e encontrar soluções para evitar tombamentos. 

Segundo ele, tombamentos acontecem o tempo todo, mas o assunto só ganha repercussão quando há vítimas – como foi em 2020, quando uma família morreu após ser vítima de um desprendimento de falésia em Pipa (RN). Após as imagens de Capitólio, ele acredita que as pessoas passarão a ficar mais atentas aos sinais da natureza. “Você olha na parte de baixo de uma formação rochosa e verifica se há formação de blocos. Esse é o primeiro sinal de que está havendo um tombamento”. 

A diretoria executiva da Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) emitiu uma nota sobre a tragédia em Capitólio. No texto, os especialistas afirmam que a tragédia expõe um problema provocado pela falta de laudos geológicos e geotécnicos para identificar os riscos geológicos de locais a serem visitados por turistas. A SBG “rechaça qualquer tentativa de negar a gravidade dos fatos e de impedir a apuração das responsabilidades por essa tragédia que poderia ter sido evitada”. 

A entidade afirmou que o período de chuvas demanda uma atenção maior por parte do poder público e da sociedade civil. “As condições extremas de chuvas, aliadas com o período de grande visitação às regiões com potencial geoturístico, contribuem para os riscos naturais”. 

Para a SBG, há uma ausência de profissionais qualificados da área de Geociências nas prefeituras para conduzir estudos de avaliação dos lugares turísticos e monitoramento de áreas de riscos. São profissionais que poderiam avaliar restrições de uso e determinar procedimentos de segurança. “A indicação de obras de contramedidas e o monitoramento geotécnico aliados com a percepção de risco pela população são ações eficazes para mitigar o risco e prevenir desastres”, diz a nota. 

‘Foi uma fatalidade’, diz prefeito

Por enquanto, nenhuma entidade pública assumiu a responsabilidade pelo grande número de embarcações no local do acidente. Cristiano Silva (PP), prefeito de Capitólio, admitiu que nunca houve um estudo de análise de risco geológico no cânion. Disse que não se pode dizer que houve “falhas” e que as formações rochosas estão na região “há milhares de anos”. “Meu pai vive aqui, tem 76 anos, nunca viu isso. Olharmos para uma tragédia e questionarmos isso não seria virtuoso. Foi uma fatalidade”, discursou.

Responsável pela fiscalização em espaços hidrográficos no Brasil, a Marinha do Brasil informou que vai instaurar inquérito para apurar as circunstâncias do acidente. Disse ainda que mantém embarcações no local e enviou equipes de salvamento ao cânion, ajudando no resgate de vítimas.

Fonte: O Tempo

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