Em poucos instantes, uma forte sensação de um prazer indescritível que faz todos os problemas desaparecerem como mágica. Minutos depois, alucinações, delírios de perseguição, medo, angústia e depressão acompanhados de vômitos, diarreia e contrações musculares involuntárias (principalmente no rosto). Finalmente, uma necessidade incontrolável de repetir o uso da droga para atingir novamente o ápice. O uso do crack, que nada mais é que a cocaína em pedra, é tão intenso que leva o usuário do paraíso ao sofrimento em muito pouco tempo. Por isso mesmo, tem um potencial tão grande de levar ao vício. Dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), mostram que 0,7% da população, cerca de 1,3 milhão de brasileiros tinham experimentado a droga em 2008.
O efeito instantâneo do crack tem explicação biológica. Como a droga precisa ser queimada para que possa ser tragada, geralmente em cachimbos caseiros de alumínio, ela atinge mais rapidamente o sistema neurológico. Isso porque a fumaça vai direto para o pulmão, um dos maiores órgãos do corpo em extensão (área de contato) e circulação sanguínea, o que propicia uma rápida absorção do entorpecente. Esse é o caminho mais curto para o cérebro – ao contrário do trajeto feito pela cocaína injetada ou inalada em pó, que precisa percorrer todo o sistema circulatório até atingir o órgão. No corpo, os efeitos que não podem ser notados a olho nu são devastadores. A cocaína contrai os vasos sanguíneos, o que causa o aumento da pressão arterial. Como o sangue faz maior força para passar nas veias e artérias, pode ocorrer o rompimento de alguns vasos menores e derrames cerebrais. Daí o fato de a grande maioria das mortes por uso do crack acontecerem devido a complicações cardíacas.
ESTUDO Na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), os resultados de uma pesquisa inédita indicaram que a droga causou alterações significativas nos corações de camundongos. Para viabilizar o estudo, foi construída uma caixa dividida em duas. De um lado, camundongos jovens e, do outro, ratos mais velhos. Fora do dispositivo, uma lamparina queimava a droga, ao mesmo tempo que uma bomba de ar puxava para dentro da caixa a fumaça e o ar do ambiente. Por dois meses os animais foram expostos à fumaça do crack. Segundo o patologista e médico legista Alcides Gilberto Moraes, um dos responsáveis pelo estudo, o objetivo era simular o fumo do crack, uma vez que as pesquisas costumam fazer uso da cocaína injetável. Os resultados mostraram uma alteração ainda não relatada na literatura médica como um efeito do uso crônico da cocaína: a diminuição de peso dos corações.
Edmar Santos, médico e integrante da Sociedade Brasileira de Cardiologia, diz que o processo funciona como alguém que já teve um infarto. O sangue não entra direito nas cavidades do coração por causa da vasoconstricção, que é o fechamento dos vasos. O coração recebe uma oxigenação menor, as fibras se atrofiam e o seu peso diminuiu. Logo, o mau funcionamento do órgão gera um acúmulo do sangue na região periférica, explica. Ou seja, em termos práticos, um coração menor significa que o usuário pode apresentar sintomas como insuficiência cardíaca, cansaço, inchaço nas pernas e abdome e, em alguns casos, chegar à morte.
Do ponto de vista neurológico, o crack muda a atuação da dopamina no cérebro, uma substância que promove a troca de mensagens entre os neurônios, células responsáveis pela condução dos impulsos nervosos. Em condições normais, a dopamina passa de um neurônio para outro ininterruptamente. Já na presença da cocaína, a substância fica presa entre um neurônio e outro, estimulando as células. É exatamente esse estímulo o responsável pela sensação de prazer, diz Solange Nappo, professora de psicofarmacologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Para Solange, um dos maiores problemas no uso da droga é que, na tentativa de diminuir os efeitos da fissura e aumentar o tempo de prazer, o viciado acaba associando o crack a outras drogas, como a maconha e o álcool. Ele acaba se viciando em outras drogas, como o álcool, já que a cocaína dá muita sede. E o álcool tem uma reabilitação mais difícil, além de destruir o fígado, que metaboliza tudo que ingerimos, alerta.

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