Pelo menos 80 grupos organizados — entre associações, cooperativas e redes produtivas — e cerca de 8 mil famílias da agricultura familiar no estado do Pará estão aptos a fornecer alimentos para a 30ª edição da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-30), que será realizada em novembro, em Belém.

O levantamento foi realizado pelos institutos Regenera e Fronteiras do Desenvolvimento, com o objetivo de demonstrar que há fornecedores locais capazes de atender às exigências do edital publicado em agosto pela Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), responsável pela seleção dos operadores de alimentação da conferência.
Pela primeira vez, uma conferência do clima exigirá que ao menos 30% dos ingredientes servidos aos participantes sejam provenientes da agricultura familiar, da agroecologia e da produção de povos e comunidades tradicionais.

Segundo os institutos, a compra de insumos para a COP-30 poderá injetar R$ 3,3 milhões na economia local — valor equivalente a quase 80% do orçamento anual do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) destinado ao município de Belém.

“Quando se fala em aumentar a oferta de alimentos agroecológicos ou da agricultura familiar, sempre surge a dúvida: ‘Mas onde estão esses produtores? Existe produção suficiente?’”, afirma Maurício Alcântara, cofundador do Instituto Regenera. “O mapeamento vem responder a essas questões, mostrando que sim, há produtores suficientes.”

Para serem considerados aptos, os produtores precisam estar com o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) regularizado, emitir notas fiscais e seguir os regulamentos sanitários exigidos para cada tipo de alimento.

“Existe muito mais produção além dessas 8 mil famílias. Este foi o primeiro mapeamento que fizemos para mostrar que há gente produzindo bastante coisa. Há uma diversidade muito grande de produtos e de origens, de diferentes lugares do estado do Pará. Não significa que sejam só esses os fornecedores possíveis, mas é um ponto de partida”, explica Alcântara.

Panorama da agricultura familiar no Brasil

Dados do Anuário Estatístico da Agricultura Familiar mostram que o país possui 3,9 milhões de propriedades de agricultura familiar, representando 77% dos estabelecimentos agrícolas. Essas propriedades ocupam 23% da área total, o equivalente a 80,8 milhões de hectares.

A agricultura familiar responde por 23% do valor bruto da produção agropecuária nacional e por 67% das ocupações no campo, com 10,1 milhões de trabalhadores. A maior concentração está no Nordeste (46,6%), seguido pelo Sudeste (16,5%), Sul (16%), Norte (15,4%) e Centro-Oeste (5,5%).

Para Alcântara, a inclusão da agricultura familiar, da agroecologia e da produção de povos e comunidades tradicionais no edital da COP-30 representa uma conquista. “Esses produtores estão ligados ao bioma, atuam com modelos regenerativos e agroecológicos que preservam a floresta e produzem alimentos. São pessoas que se recusam a seguir apenas a demanda do mercado e oferecem uma diversidade muito maior de alimentos”, destaca.

Ele acredita que a presença desses produtores nos espaços de discussão sobre o futuro do planeta é essencial e representa um legado do Brasil para as próximas conferências. “É fundamental que estejam lá dentro e que possamos mostrar que é possível realizar um evento desse porte reconhecendo a importância desses produtores, trazendo-os como protagonistas e como exemplo para outros grandes eventos.”

Produção amazônica e protagonismo local

Entre os grupos mapeados está o Grupo para Consumo Agroecológico (Gruca), fundado pelo agricultor urbano Noel Gonzaga, de Marituba, na região metropolitana de Belém. O grupo conecta pequenos produtores aos consumidores e promove vivências para que o público conheça os locais e as pessoas que produzem os alimentos.

Gonzaga cultiva macaxeira, abóbora, feijão, quiabo, milho, açaí e o ariá — uma batata amazônica em risco de extinção devido à queda no consumo. “Era um alimento muito presente nas mesas da região, mas perdeu espaço com a chegada do trigo. Hoje, outros agricultores também estão trazendo essa batata de volta”, conta.

A produção de Gonzaga é voltada para o autoconsumo e o excedente é comercializado pelo Gruca e pelo ponto de cultura alimentar Iacitata, que reúne produtores agroecológicos e mestres da cultura alimentar. O Iacitata foi selecionado como um dos restaurantes oficiais da COP-30.

“Somos agricultura familiar de base agroecológica. Não uso nada que afete minha saúde ou a de quem consome. Como também consumo o que produzo, isso me guia para práticas sustentáveis”, afirma.

Um dos alimentos que Gonzaga deverá fornecer para a COP-30 é o açaí, considerado por ele como símbolo de boas-vindas e parte da cultura local. O fruto chegou a ser proibido no edital por risco de contaminação, mas após polêmica, a decisão foi revista.

“A COP deu sorte. Eles vão pegar a safra do açaí. Em novembro já estará no final, mas ainda vai ter muito açaí, com certeza”, garante o agricultor.

Com informações da Agência Brasil

 

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