A velocidade de propagação do novo coronavírus no Brasil repete o padrão dos países que mais sofrem com o avanço da covid-19, demonstram gráficos produzidos pela BBC News Brasil com os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). O crescimento de casos confirmados segue um ritmo parecido com o de países como Alemanha, França e Reino Unido.

A pedido da reportagem, um analista de dados e um médico que acompanham o avanço do coronavírus na Itália analisaram o gráfico.

“Na Itália, estamos assistindo a um filme idêntico ao que vimos na China, e a batalha será a mesma em todos os outros países do mundo, mas com dias ou semanas de atraso”, afirma Nino Cartabellotta, médico e presidente da Fundação Gimbe, organização não governamental que promove a difusão de informações científicas confiáveis para a realização de políticas públicas.

“O Brasil tem a chance de jogar sabendo o resultado da outra partida, porque já viu o filme italiano. Comparar a curva de diferentes países não é um problema, muito pelo contrário”, diz Cartabellotta.

Para Lorenzo Pregliasco, sócio-fundador da empresa de pesquisas Quorum, o Brasil “está alinhado com a maior parte dos países observados”, apesar de seguir “um pouco atrás” na curva de crescimento: “Particularmente, me parece que o ritmo de contágio possa seguir a trajetória da França.”Em apenas 10 dias, a França saltou de 50 casos para mais de mil. Depois disso, mandou seus 67 milhões de habitantes ficarem em casa, a não ser em caso de deslocamentos essenciais.

Comparar o avanço epidemiológico em países diferentes, no entanto, não é uma conta exata, explica Pregliasco. Até agora, cada nação tomou medidas diferentes de contenção da covid-19. Além disso, a origem dos focos iniciais de cada nação pode interferir nos cálculos: “Na Itália, a disseminação precoce e muito rápida dos contágios provavelmente ocorreu por causa da contaminação inicial em hospitais. Então, dependendo de quantos e quais são os focos, a tendência de cada país pode ser muito diferente.”

O que significam os gráficos?

Para facilitar a visualização dos dados e a comparação, os gráficos consideram o número de casos reportados pelos sistemas de saúde de cada governo depois que estes países ultrapassaram a barreira de 50 testes positivos.

O “dia 1” da Itália, por exemplo, é 23 de fevereiro. O dos Estados Unidos, dia 25. A linha do Brasil, por sua vez, começa em 12 de março.

Com essa metodologia, é possível entender as comparações de estatísticos que dizem que um país está alguns dias ou semanas atrás de outro “na curva de crescimento” do novo coronavírus.

Para manter a comparação com dados de uma fonte única, foram utilizados os boletins oficiais diários da OMS. Os dados mais recentes da organização correspondem às informações enviadas pelas autoridades nacionais até as 20h (de Brasília) desta quarta-feira — o Brasil ainda não registrava nenhuma morte, e a Itália não havia ultrapassado o número de vítimas da China.

Na avaliação de Pregliasco, os dados oficiais disponibilizados pela OMS são confiáveis, apesar de dependerem do número de testes realizados em cada país e do método escolhido para estes exames.

Ainda que tenha registrado 8 mil casos positivos, a Coreia do Sul não foi utilizada na comparação por ter conseguido frear o avanço da pandemia realizando ações diferentes das dos demais países.

Os casos ‘ocultos’ de covid-19

Nesta quinta-feira, o governo italiano anunciou que o país chegou a 41.035 casos confirmados desde o início do surto. Para Cartabellotta, porém, o número não é realista e representa “só a ponta do iceberg”: “Assumindo que a gravidade da doença na Itália é semelhante à chinesa, pode-se prever que a parte submersa do iceberg tenha mais de 70 mil casos leves ou sem sintomas identificados”.

Na Itália, os exames são feitos, na maior parte das vezes, em pacientes com sintomas. Foram feitos 182.777 testes até agora — em média, um a cada 330 moradores do país.

O problema da subnotificação se repete em todos os países que não tenham adotado uma estratégia agressiva de testar ampla parte de população. Em entrevista ao Estado de S. Paulo, o presidente do Hospital Albert Einstein, Sidney Klajner, estimou que o Brasil tenha 15 casos “ocultos” para cada diagnosticado.

A subnotificação ajudaria a explicar por que a doença demorou tanto a ser identificada na Itália. Pesquisadores acreditam que o vírus já estava na Itália desde a metade de janeiro, mas o primeiro caso só foi comprovado pelo sistema italiano de saúde em 21 de fevereiro, em Codogno, cidade industrial de 16 mil habitantes a menos de uma hora de Milão.

“A epidemia chinesa ainda estava no começo e nenhuma restrição ou vigilância havia sido iniciada na Itália”, lembra Cartabellotta.

Distanciamento social vai continuar

O primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, revelou na quinta-feira, em entrevista ao jornal Corriere della Sera, que o bloqueio total do país e o fechamento das escolas e faculdades serão estendidos para além de 3 de abril, data prevista no decreto que impôs uma quarentena nacional a 60 milhões de habitantes.

Apesar da série de decretos assinados por Conte nas últimas semanas, nem toda a Itália se submeteu à quarentena imposta pelas autoridades. O governo da Lombardia, região mais afetada pelo novo coronavírus, usou dados fornecidos por empresas de telefonia celular para concluir que cerca de 40% dos moradores continuam se distanciando mais de 500 metros de casa.

“Na falta de uma vacina ou de remédios específicos para o vírus, as medidas de distanciamento social são a única arma à nossa disposição para neutralizar a epidemia”, alerta Cartabellotta.

A eficácia, porém, está condicionada a uma alta adesão por parte da população às recomendações das autoridades — seja na Itália, seja no Brasil.

Fonte: BBC News

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