Toda criança e todo adolescente têm o direito de ser educado sem o uso de ?castigos físicos ou tratamento cruel ou degradante?. Usando exatamente essas palavras, o texto da chamada Lei da Palmada foi aprovado sob polêmica no Congresso Nacional, na semana passada. Para passar a valer, basta agora a sanção da presidente Dilma Rousseff. Mas pelos números de crimes que chegam diariamente aos canais de denúncia, delegacias, varas judiciais e conselhos tutelares de Minas, essa proposta não condiz com a realidade.
Só no Disque Direitos Humanos do governo do Estado, dentre todas as denúncias recebidas referentes ao público infantojuvenil, o que predomina é a negligência ou o abandono e as violências física e psicológica. Por dia, a média atual é de 5,6 casos em Minas. Foram 507 queixas de janeiro a março deste ano, contra 425 no mesmo período de 2013, um aumento de 19,2%.
Nas delegacias, o número é ainda maior. De janeiro a abril deste ano, foram 4.767 registros de agressões contra crianças e adolescentes em Minas. Em 2013, foram 14.640, uma média de 40 casos por dia.
?Muitos pais reproduzem a violência que sofreram na infância na educação dos filhos. Há uma tolerância muito grande?, relata a subsecretária de Estado de Direitos Humanos, Maria Juanita Godinho Pimenta. Ela diz que, se todos seguissem o que já diz a Constituição, não haveria necessidade de uma nova lei para proibir a violência contra crianças e adolescentes. ?Como a sociedade não consegue minimizar o problema, vamos criando outras leis para nos fazer refletir sobre o tema?, avalia.
O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 1990, já proíbe qualquer tratamento violento contra menores de 18 anos. No entanto, a Lei da Palmada acrescenta no ECA um artigo que proíbe o ?castigo físico? e o ?tratamento cruel?. O primeiro é definido como qualquer ação punitiva ou disciplinar que resulte em sofrimento físico ou lesão.
?Qual é o limite para a palmada? A lei não fixou isso porque não se tem como definir a intensidade?, afirma o presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Rodrigo Pereira. Quem defende a lei diz que ela permitirá aos pais refletir sobre a educação sem o uso da violência, como diz Pereira: ?O problema não é a palmadinha, mas sim, os pais que espancam os filhos. Por isso, a lei traz nova concepção: para educar, não precisa bater?.
Os pais ou responsáveis que desrespeitarem a Lei da Palmada poderão receber advertência e encaminhamento a programas sociais e psicológicos, como também determina o ECA. O estatuto prevê ainda a perda do poder familiar e até o afastamento do agressor do lar em casos de maus-tratos, opressão ou abuso sexual. Na área criminal, a família fica condicionada às penas já previstas no Código Penal.
Para o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil ? Seção Minas Gerais (OAB-MG), Stanley Gusman, a Lei da Palmada abre brecha para muitas interpretações sobre ?castigo?. ?Na leitura fria da lei, é possível ser punido por uma palmada. Isso é crime??,questiona. O advogado criminalista e professor da PUC Minas Marcelo Peixoto também defende que, antes, o ECA se restringia à violência, como lesão corporal, e, agora, colocaram termos mais genéricos: castigo e sofrimento. ?Não é tutela do Estado interferir nesse aspecto da criação dos filhos?, conclui.
Denúncias de violência contra crianças passam de cinco por dia em Minas
Só no Disque Direitos Humanos do Estado, foram 507 casos de negligência e agressões neste ano.