Num país em que 88% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos não conseguem chegar à faculdade, pública ou privada, sobram vagas no principal projeto do governo federal para garantir acesso ao ensino superior, o Programa Universidade para Todos (ProUni). Dados do Ministério da Educação (MEC) mostram que, das 118.871 bolsas de estudo oferecidas em todo o Brasil para o segundo semestre deste ano, mais de 46 mil não foram preenchidas ? o equivalente a 39,2% do total. Em Minas Gerais, as vagas ociosas chegam a quase um terço dos benefícios ofertados. Somente 10.913 alunos foram pré-selecionados para as 16,2 mil oportunidades abertas no estado, um amargo desperdício de 32,7%.
A principal razão para a sobra de bolsas é a dificuldade dos estudantes de se encaixar no perfil do ProUni. O programa, que oferece bolsas parciais (de 25% e 50% de desconto) e integrais em instituições privadas de ensino superior, exige que o candidato tenha nota mínima de 45 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e renda familiar, por pessoa, de até três salários mínimos. O prazo para que os alunos pré-selecionados nas três fases do ProUni comprovem essas exigências termina em 31 deste mês, o que significa que o número de vagas ociosas pode aumentar ainda mais nos próximos dias.
A maior fatia de benefícios desperdiçados no país é de bolsas parciais, que somam mais de 90% das vagas remanescentes. Uma das 46 mil não preenchidas neste semestre é a de Marco Túlio Miguel, de 23 anos. Com nota de 46,5 no Enem, ele foi selecionado, há três semanas, para uma bolsa do ProUni de 25% de desconto, no curso de ciências biológicas do Centro Universitário UNA, em Belo Horizonte. Mas uma incoerência do programa o obrigou a desistir da oportunidade. Se aceitasse, ele teria que pagar uma mensalidade de R$ 440 ? valor que ultrapassa sua renda familiar per capita de R$ 400 (menos de um salário mínimo). Em outras palavras, gastaria tudo o que ganha com os estudos e ainda ficaria devendo R$ 40, sem contar as despesas com livros, alimentação, transporte e moradia.
?Nunca me senti tão frustrado na vida. A alegria de saber que tive a sorte de ser selecionado para o ProUni durou pouco, porque, nem com o desconto, eu teria condição de me manter na universidade. Mesmo assim, estava disposto a me esforçar e dar um jeito, mas, quando cheguei à faculdade para apresentar os documentos, descobri que tinha que pagar a taxa de matrícula na hora. Na pressão, pensei por 15 minutos e vi que teria de desistir da bolsa. Estou com a sensação de que o programa é meio utópico, porque há vagas sobrando e eles não dão tempo sequer para a gente se organizar. Ainda não decidi se vou tentar o Enem novamente. Por enquanto, estou conciliando os estudos para o vestibular e concursos?, diz.
Sem a mesma coragem de Marco Túlio de abrir mão do seu sonho, Michelle Lucas Duarte, de 29, levou adiante seu projeto, mas também não teve um final feliz. Há um ano, ela desistiu, pela segunda vez, da bolsa do ProUni de 50% de desconto e agora vive o tormento de uma dívida de mais de R$ 3 mil com a PUC Minas. Moradora de Ribeirão das Neves, na Grande BH, ela foi selecionada para o curso de gestão ambiental na unidade de Betim, também na região metropolitana, mas não tem condições de pagar os R$ 340 restantes da mensalidade.
?Acordava às 4h30 para chegar à universidade às 7h e gastava mais de R$ 200 só de ônibus. Na faculdade, eu não tinha dinheiro para livros, cópias, nem para o lanche e, muitas vezes, chegava em casa até tonta de fome. Fiz o 1º período e parei, porque não tinha como pagar a rematrícula?, lamenta Michelle. Um ano depois, ela retornou à faculdade, no entanto, só conseguiu estudar por mais seis meses. ?Como ficou uma dívida, não posso tentar o financiamento estudantil (Fies). Cheguei a ter depressão e minha maior tristeza é ver que me esforço e tiro boas notas, mas não posso continuar. Acredito que o ProUni seja uma salvação para quem não pode pagar por uma faculdade e, se eu conseguir quitar meu débito, estou disposta a enfrentar tudo de novo para me formar?, promete.

Filtros
A Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES) denuncia que as exigências de desempenho no Enem e a renda dos estudantes ? filtros usados pelo ProUni ? não condizem com a realidade brasileira. ?A nota de corte do Enem está acima do nível da maioria dos candidatos e só poderia ser exigida se as mudanças de qualidade dos ensinos médio e fundamental já tivessem surtido efeito. Além disso, o limite financeiro restringe o acesso ao programa. Como estão sobrando vagas, o ideal seria aumentar a faixa de abrangência, porque a educação não é a única despesa na vida das pessoas?, afirma o assessor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes. Ele ainda alerta que, se as mudanças não forem feitas, será difícil atingir, até 2011, a meta estipulada pelo MEC de ter 30% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos na universidade.
A Associação Nacional dos Universitários do ProUni (Guna), com sede em BH, aponta ainda outros fatores para a sobra de bolsas. ?Os principais motivos são a ausência de um órgão representativo do MEC, que possa responder em tempo hábil às dúvidas dos alunos bolsistas, e a falta de assistência estudantil. Quando é confirmada a bolsa parcial, o aluno reflete sobre suas necessidades cotidianas e chega à conclusão de que, com despesas de transporte, alimentação e material didático, será inviável seu ingresso e permanência no curso. Outros problemas são a autonomia da instituição de ensino para realizar um processo seletivo próprio dos bolsistas e a não-formação de turma no curso escolhido pelo candidato?, afirma a diretora-presidente da Guna, Adriana Ferreira.

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