Onze dias depois do rompimento da Barragem 1 da Vale na Mina de Córrego do Feijão, distrito de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o Corpo de Bombeiros, que comanda os trabalhos de buscas por vítimas, admitiu oficialmente pela primeira vez que nem todos os desaparecidos devem ser encontrados em meio ao mar de lama, de onde já foram resgatados restos mortais de 134 pessoas. Chama a atenção o fato de a declaração, que partiu do porta-voz da corporação, tenente Pedro Aihara, ocorrer enquanto ainda há 199 vítimas desaparecidas.

Do ponto de vista técnico, os bombeiros admitem que a quantidade de rejeitos e o estágio de decomposição dos corpos de agora em diante vai dificultar e pode inviabilizar a recuperação de restos mortais. Por mais que essa situação também seja considerada por parentes e amigos de pessoas que ainda constam como desaparecidas, a possibilidade de encerrar a operação sem o resgate de todos os corpos aumenta a angústia e aperta o coração de quem espera pelo menos ter o direito de sepultar seus familiares e amigos.

Quando a força-tarefa que coordena a operação montada após o rompimento da barragem anunciou que 134 corpos já foram resgatados, dos quais 120 identificados pela Polícia Civil, o alto número de desaparecidos, que pode levar a tragédia a mais de 300 mortos, aumentou a angústia das famílias. “Do ponto de vista técnico, chega um ponto que, pela quantidade de rejeitos e pelo estágio de decomposição dos corpos, essa recuperação não é possível (do total de corpos). É justamente por isso que montamos uma operação desse tamanho, para que a gente consiga recuperar o maior número de corpos possível. Mas, pela questão biológica, é possível que alguns corpos não sejam recuperados”, disse o tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros.

Ele explicou que os militares trabalham sempre com a possibilidade de achar alguém com vida, mas em virtude dos protocolos da corporação e da literatura associada a esse tipo de desastre, passadas 120 horas após o evento e também diante da característica da lama, a probabilidade de encontrar sobreviventes é matematicamente próxima de zero. “Os bombeiros estão fazendo o trabalho deles e são verdadeiros heróis, mas realmente vão ficar muitas pessoas enterradas nessa lama. Isso traz uma dor ainda maior para os familiares”, diz Alcir Carlos dos Santos, de 40 anos, que tem dois primos ainda desaparecidos. “Poder enterrar o familiar que desapareceu é a mesma coisa que retirar mil quilos das costas. Pelo menos a pessoa teve um enterro digno e descansou”, diz ele, que também teve a experiência de enterrar uma ex-mulher, resgatada do mar de rejeitos. “O problema é você ficar a vida inteira se lembrando da pessoa dentro do barro”, acrescenta.

O operador de máquinas Ailton Sales de Assis, de 57, conhecia dezenas de pessoas que foram engolidas pela lama, e também tem um primo na lista das vítimas que não foram encontradas. “Também creio que nem todos vão ser resgatados. E é muita tristeza. Ter um parente desaparecido aumenta muito a dor. Quando essas pessoas cujos familiares não foram encontrados vão ter sossego?”, questiona ele, que é conhecido em Córrego do Feijão como Pacheco.

A gerente de estoque e expedição Karolainy Stefany, de 21, enterrou no domingo (3) uma familiar que trabalhava na casa dos donos da Pousada Nova Estância. Cristina de Paula foi retirada da lama pelo Corpo de Bombeiros e pôde receber a última homenagem dos parentes. “É um alento para a família. Se ela ficasse desaparecida  seria muito pior, pois todos viveriam um luto sem fim.”

Mais obstáculos

Nessa segunda-feira (4), o 11º dia de buscas pelos desaparecidos após o rompimento da barragem foi marcado por dificuldades operacionais dos bombeiros diante da chuva. A alteração das condições da lama na chamada zona quente, onde se concentram os trabalhos de resgate, fez com que os militares fossem alocados para buscas nas margens do Rio Paraopeba. Por volta do meio-dia, as equipes que somam 400 homens e mulheres voltaram a ser empregadas nas áreas mais próximas da barragem.

No local onde ficava um vestiário na área administrativa da Vale, foram retirados restos mortais de três vítimas, e os bombeiros acreditam que o fato de nem toda a estrutura ter sido destruída pode ajudar na preservação de alguns corpos, permitindo a identificação de forma mais rápida pela Polícia Civil. “Já começamos a fazer o acesso, tiramos três vítimas, e a possibilidade de encontrarmos outras em um estado que facilite a identificação desses corpos pela Polícia Civil é grande”, informou o tenente Pedro Aihara, acrescentando que há uma concentração de equipes nessa área.

Incerteza: a segunda dor

A camisa amarela pendurada no letreiro na entrada de Brumadinho, com os dizeres “Saudades eternas, Banana”, não deixa dúvidas de que Walaci Junhior Candido da Silva, de 25 anos, era um apaixonado por futebol. Desde que a barragem se rompeu, ele está sendo “velado” todos os dias pela família, que busca incansavelmente o direito de enterrar o ente querido. Como esses, dezenas de outros parentes dos atingidos cobram das autoridades e da Vale um conforto que os bombeiros admitiram ontem que nem todos terão. Isso porque, pela característica do desastre, corpos devem ficar para sempre desaparecidos, como ocorreu com uma das 19 vítimas do crime na barragem de Fundão, em Mariana.

“Com vida não temos esperança de encontrar, temos que ser realistas, mas queremos que pelo menos encontrem o corpo, para minha tia ter um alento, o sossego de pelo menos saber que foi sepultado. Enquanto não se enterra a pessoa, parece que fica uma esperança, fica algo solto. Todos precisam ter um enterro digno, a história da pessoa tem que ter começo meio e fim”, desabafou a auxiliar administrativa Raquel Aparecida de Jesus Lopes, de 37 anos, prima de Walaci.

O jovem de 25 anos prestava serviços de limpeza havia cerca de três anos nos escritórios da Vale, contratado pela empresa terceirizada Manserv. Inconsoláveis, a esposa, Girlaine Neves, de 24, e a mãe Júlia, de 56, estão entre os que aguardam respostas. Banana jogava futebol pelos times de Brumadinho e, mesmo quando não tinha dinheiro, era escalado para jogos com os colegas da Vale. Provavelmente estava no prédio da área administrativa quando a lama de rejeitos o levou, junto com vários colegas.

A professora Rosimeire Aparecida Ozório Oliveira, de 53, enterrou a irmã caçula Rosilene Ozório Pizzane Mattar, de 48, na quarta-feira, e até ontem ainda buscava pelo cunhado, marido de Rosilene, João Paulo Valadares Mattar, de 36. O casal trabalhava na Vale em setores diferentes e estava em Córrego do Feijão na hora do rompimento. “Nossa esperança é ainda encontrar o corpo do meu cunhado, as buscas precisam continuar”, disse Rosimeire, que mora em Brumadinho.

O sentimento de luto não faz com que ela deixe de cobrar Justiça. “Isso não se faz, eles sabiam do risco que estava acontecendo lá”, disse. A família foi ontem à Estação do Conhecimento da Vale, em Brumadinho, em busca de mais informações sobre a situação.

Pouco antes, a alguns metros dali, o Corpo de Bombeiros admitia que famílias como a dela podem ficar sem saber onde foram parar os corpos de seus parentes. A afirmativa, com base em dados técnicos, foi feita pelo porta-voz da corporação, tenente Pedro Aihara. De acordo com ele, a decomposição natural dos corpos torna cada vez mais difícil que eles sejam resgatados.

“Em situações desse tipo, que a gente tem estrutura colapsada e lama, já é esperado que a totalidade dos corpos não seja encontrada. Então, a gente trabalha o mais rápido possível para poder ser efetivo e encontrar o maior número. Só que evidentemente, pela característica da tragédia e pela situação biológica de decomposição, alguns corpos a gente estima que, infelizmente, não será possível recuperar. Que seja o menor número possível”, afirmou.

De acordo com o tenente, é esperada uma redução no número de corpos encontrados por dia. Isso porque, em um primeiro momento, são resgatados aqueles que estão em níveis mais superficiais da lama. “Essa recuperação é muito mais fácil de acontecer, tanto pelo ponto de vista de esses corpos serem achados com mais facilidade, quanto do ponto de vista de retirada deles”, detalhou.

Obstáculos

Com o avançar dos dias, de acordo com o tenente, além de ser mais complicada a localização, a logística para um resgate é muito mais difícil e demorada. No estágio atual, para cada novo corpo é preciso fazer um trabalho de escoramento do local e um meticuloso manuseio, para não atrapalhar a identificação posterior, a cargo do Instituto Médico Legal (IML).

“A quantidade de corpos vai diminuir mesmo. Com relação a tempo de operação, vai durar meses, certamente. Em Mariana, que teve um número muito menor de corpos, ficamos três meses e aqui a gente pretende operar por esse tempo. Só vamos parar quando for impossível fazer um resgate de corpos”, garantiu Aihara.

Até a manhã dessa segunda, 134 corpos haviam sido resgatados e 199 pessoas estavam desaparecidas em Brumadinho. Em Mariana, onde a Barragem do Fundão se rompeu em novembro de 2015, foram 19 mortos sendo que um dos corpos nunca foi encontrado.

A chuva pela manhã prejudicou as buscas na chamada área quente de Brumadinho. Por isso, as equipes de busca se deslocaram para o leito do Rio Paraopeba. No local, dois fragmentos de corpos haviam sido encontrados no dia anterior por equipes do Ibama, que acionaram os bombeiros para o resgate. À tarde, as equipes retornaram para as áreas com maior incidência de lama e aumentaram o maquinário pesado usado para o trabalho, de cinco para 15 equipamentos. A previsão é que as chuvas nos próximos dias atrapalhem um pouco o ritmo das buscas.

Comunidade ilhada

A chuva também complicou um dos acessos vicinais a Córrego do Feijão, deixando veículos atolados em meio ao barro. Uma dificuldade a mais para uma comunidade que perdeu a ligação direta com Brumadinho, município do qual faz parte, desde o dia da catástrofe. Um dos pontos de bloqueio rodoviário está na rodovia Alberto Flores, onde a lama extravasou o leito natural do córrego que dá nome à localidade e passou por cima da pista, na altura do Parque da Cachoeira, bairro que também atingido. Outros dois acesso também tiveram problemas e por isso a ligação viária direta com a sede não é mais possível.

Um desses pontos está próximo ao pontilhão que teve parte de sua estrutura arrancada e outro já dentro da comunidade. Ambos estão bloqueados pela Polícia Militar. Ontem, a única alternativa que permanecia viável era chegar a Córrego do Feijão por Casa Branca. A chuva eliminou a alternativa por uma estrada de terra saindo da rodovia que liga Piedade do Paraopeba a Brumadinho. Essa conexão ficou repleta de barro escorregadio, que impôs uma barreira a quem tentou se aventurar.

Punição dura e responsabilidade

Grande parte dos brasileiros desejam penas duras para a mineradora Vale e seus diretores após a tragédia ocorrida em Brumadinho, na Grande BH. De acordo com levantamento do Instituto Paraná Pesquisas, 65,7% da população do país é a favor de que a empresa perca licença para trabalhar no setor da mineração, enquanto 28% é contra e 6,4% não soube responder. Ainda segundo o estudo, 63,4% dos ouvidos classificam a companhia como a principal responsável pela catástrofe. Outros 21,3% colocam a maior culpa no governo de Minas, enquanto uma parcela de 10,4% acusa a União. Pouco mais de 1% analisa o desastre como um acidente e 3,6% não responderam.

O estudo teve como objetivo avaliar a percepção do brasileiro sobre o desastre de Brumadinho. De acordo com o Instituto Paraná Pesquisas, 66,2% das pessoas que responderam ao questionário são favoráveis a suspensão de todas as licenças de mineração. Cerca de 25% são contra e 8,4% não souberam responder. Quanto aos executivos da Vale, 52,6% da população defende a prisão dos dirigentes. O afastamento e a determinação de multas são a melhor punição para 24,2% dos ouvidos. Para 13,3% a Justiça deveria congelar os bens do alto escalão da mineradora.

Os reflexos da tragédia de Mariana também entraram em debate. Segundo o estudo, 91% dos brasileiros creem que o rompimento da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão poderia ter sido evitado se a Justiça tivesse punido a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton, da maneira correta. Para cerca de 3% dos ouvidos, os vazamentos não têm relação. A mesma quantidade de pessoas afirmaram que os desastres não poderiam ter sido evitados.

Paraná Pesquisas revelou ainda que 35,1% dos brasileiros são a favor da criação de uma empresa estatal para realizar toda a atividade minerária no país. Outros 58,9% dos ouvidos vão na contramão, enquanto 6% não se posicionaram.

Para chegar aos resultados, o Instituto ouviu 2.420 brasileiros situados em 188 municípios de 26 estados e do Distrito Federal. As entrevistas ocorreram entre 30 de janeiro e 3 de fevereiro. O levantamento foi feito on-line e tem margem estimada de erro de aproximadamente 2,0% para os resultados gerais.

Três corpos em vestiário

Localizado no último sábado, o vestiário que ficava na área administrativa da Vale se tornou  um dos pontos prioritários das buscas do Corpo de Bombeiros em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os militares já conseguiram entrar na estrutura, que foi parcialmente atingida pelo mar de lama proveniente da barragem que se rompeu na Mina Córrego do Feijão. E já houve resgates no local. “Tivemos um avanço importante no nosso acesso. Já tiramos três corpos de pessoas que estavam no vestiário”, anunciou ontem o tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros.

Segundo ele, há possibilidade de mais vítimas serem encontradas no vestiário. Por isso, um grande efetivo de militares trabalhava na região ontem. A lama provocou o colapso apenas parcial da estrutura. “Isso é importante, porque ocorre uma situação que a gente chama na doutrina de ‘espaços vitais isolados’, que são locais que não foram invadidos pela lama e estão, de certa forma, protegidos pela estrutura do vestiário. Então, começamos a fazer o acesso e já tiramos três vítimas. A possibilidade de encontrar mais vítimas em um estado que facilite a identificação desses corpos pela Polícia Civil  é grande”, comentou Aihara.

Durante a madrugada, choveu forte em Brumadinho e as buscas tiveram que ser suspensas por questões de segurança. Quando as precipitações deram trégua, uma das aeronaves do Corpo de Bombeiros sobrevoou a região para localizar pontos seguros para as buscas, mas rapidamente voltou a chover.

De acordo com Aihara, quando a chuva parou, no fim da manhã, as buscas foram retormadas na área quente. “Quando ocorre essa chuva, há uma acomodação desse rejeito. A previsão de que a chuva duraria até o fim da manhã se cumpriu e já estamos mandando efetivo novamente à zona quente (a área com maior probabilidade de resgate de corpos)”, disse.

No início da tarde, o tenente-coronel Anderson Passos, do Corpo de Bombeiros, informou que por volta das 13h30 já havia condições de voo. Com isso, as aeronaves também voltaram a atuar. “Vamos retomar as buscas gerenciando o risco, exceto num ponto à direita da barragem rompida, que oferece menor segurança”, informou.

 

 

Fonte: Estado de Minas ||

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