O Lago de Furnas, o “Mar de Minas”, pede socorro: é o que diz o Manifesto lançado em outubro de 2020 por entidades de empresários, cidades e usuários do Lago de Furnas e de Peixoto, unidos nos movimentos “Pró-Furnas”, “Pró-Peixoto” e Associação dos Municípios do Lago de Furnas, que denunciam “a precariedade, desolação e pobreza”, desde 2012, com a redução da cota do lago para 756.3, medida em 1.2.2021, época de chuvas, quando esta já esteve em 768 por muitos anos. Hoje, o movimento reivindica a cota de 762, que é a mínima necessária para que sobrevivam marinas, clubes, condomínios, recreação e turismo, parques de piscicultura e produção agrícola, atividades compatíveis com a geração de energia, com grandes benefícios para as áreas econômica, social e ambiental de imensa região.

 A Alago aponta 260 empreendimentos turísticos paralisados e muitos extintos, com imensos prejuízos econômicos e sociais para 34 municípios alcançados pelo lago, estimando-se a perda de 20 mil empregos. E Minas Gerais que está perdendo um dos maiores conjuntos turísticos de repercussão internacional. A mobilização conseguiu a aprovação, pela Assembleia Legislativa, de emenda constitucional, a EC 106 (antiga PEC 52/2020), do deputado Professor Cleiton, que determinou o tombamento dos Lagos de Furnas e Peixoto, determinando “sua conservação e inclusão na Constituição do Estado como monumento natural”. Com base nesta nova legislação, espera que o governo federal e a direção de Furnas mantenham o nível da represa de Furnas na cota mínima 762, permitindo o “uso múltiplo do lago”, o que ocorria desde sua inauguração em 1965 até 2012, sem qualquer interferência na geração de energia.

Este “uso múltiplo”, hoje impedido, está agora garantido pelo Artigo 80 da Constituição Estadual e pela Lei 9433, de 1997. O governador de Minas, Romeu Zema, informado desta situação, encarregou o secretário de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, de elaborar o tombamento pelo IEPHA, numa tentativa de preservar as condições turísticas de Furnas. Mas o retorno do nível de Furnas enfrenta hoje uma dificuldade maior além da questão climática, conforme denuncia o Manifesto: água de Furnas vem sendo retirada “para privilegiar a Hidrovia Tietê-Paraná, que já recebeu recursos para obras de derrocamento (escavação) para viabilizar sua navegação, previstas para 2019 e adiadas para 2024”. Estas obras, na região de Nova Avanhandava, em São Paulo, visam aprofundar o canal da hidrovia em mais 2,4 metros, viabilizando barcaças de maior capacidade de cargas, uma demanda dos usuários. Ocorre que a partir de 2014/2015 a falta de chuvas agravou a navegabilidade da Hidrovia, exigindo mais água de Furnas e do Rio Grande para manter mais elevado o nível da água. Sem a profundidade pretendida, a solução tem sido aumentar o nível hídrico da Hidrovia, com a água de Furnas. Calcula-se, diz o Manifesto, que a obra de aprofundamento do leito da Hidrovia, para suportar barcos de maior calado, devolveria a Furnas 8% da água do lago.

O Movimento Pró-Furnas, Pró-Peixoto e a Alago, que reúne os municípios da região, já realizou reuniões com Agência Nacional de Energia Elétrica, o Operador Nacional do Sistema, a Agência Nacional de Águas e o Ministério de Minas e Energia e a própria Furnas Centrais Elétricas, sem encaminhamento de qualquer solução viável até agora.  Em meio aos debates, os amigos de Furnas lembram as origens históricas mineiras da hidrelétrica de Furnas, em diversas iniciativas: em 1958, Juscelino Kubitschek, então presidente da República, inicia a implantação do imenso lago da Usina Hidrelétrica de Furnas, planejada pela Cemig, que criara em 1952 quando governador de Minas, eleito com o binômio “Energia e Transportes”, marco fundamental da industrialização mineira. Tornou-se, na época, a maior obra da América Latina em execução, com capacidade para gerar um terço da energia consumida no Brasil e destinada a suprir a demanda, então ameaçada de colapso, no Sudeste Brasileiro.

Em novembro de 1956, Juscelino autorizou a criação da estatal Furnas Centrais Elétricas para gerir a hidrelétrica, inaugurada em 1965. Estudo da Cemig, com consultoria de empresa norte-americana, indicou o imenso potencial hidrelétrico da região, especialmente dos Rios Grande e Paranaíba. E identificou as “Corredeiras de Furnas”, no Rio Grande, entre os municípios de São José da Barra e São João Batista do Glória, que recebem as águas dos Grande, Rios Verde, Sapucaí, Machado e inúmeros riachos. Hoje, o reservatório de Furnas alcança 1.440 km², cuja orla tem 3.500 km, seu espelho d’água é quatro vezes maior do que a Baia de Guanabara e contempla a “maior marina de água doce da América Latina”. Fornece 1.206 megawatts de energia e seu lago, como previu Juscelino no ato inaugural, serviria também ao turismo, esportes náuticos, piscicultura, condomínios e atividades correlatas.

A extensão do seu reservatório levou à retirada de 35 mil pessoas que tiveram suas propriedades e terras inundadas, incluindo duas cidades, Guapé e São José da Barra, reconstruídas em outros locais. Hoje, o lago de Furnas, o Mar de Minas, fornece água para as usinas de Itutinga e Peixoto, construídas anteriormente, e mais doze usinas e integra-se à Bacia do Rio da Prata, no Pontal do Triângulo Mineiro, formado pela junção dos rios Grande e Paranaíba. A reivindicação do Movimento é que seja implantada uma “governança diferenciada para o Lago de Furnas e todo o sistema do Rio Grande, garantindo o uso de geração de energia compatível com os usos múltiplos, com a cota mínima de 762 para Furnas e 663 para o Lago de Peixoto”.

E afirma que as oscilações climáticas eram normais e nunca impediram o retorno do nível da água à cota 762 ou próximo. E que reconheça os direitos de “multiuso dos mineiros” e não somente dos empresários que usam a Hidrovia e que conseguem manter o seu nível navegável, em prejuízo de Furnas e de Minas Gerais. Alega-se que cabe ao governador de Minas solicitar alteração de outorgas, de maneira a garantir uma convivência útil entre o interesse econômico regional e a hidrelétrica. O Movimento reconhece a importância econômica da Hidrovia, que transporta cargas e passageiros, tem extensão de 2.4 mil km, sendo 1,6 mil km no Rio Paraná e 800 km no Rio Tietê, com vários pontos de embarque. Promove o escoamento de 8milhões de toneladas anuais de cargas, especialmente grãos, do Mato Grosso, Goiás, São Paulo e Minas Gerais.

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