Diante dos seguidos reajustes do preço do gás de cozinha, que chegou a quase 18% entre janeiro e julho na região metropolitana, segundo o site de pesquisas Mercado Mineiro, famílias voltaram a usar lenha para cozinhar. Cenas como essa, que haviam ficado no século passado, estão mais comuns em locais como a ocupação Terra Nostra, no bairro Taquaril, região Leste da capital.

“Aqui tem muitos casos assim. O morador improvisa um fogão com tijolos, acende a lenha para fazer feijão, arroz, principalmente esses itens que demoram mais para cozinhar e consomem muito gás. A situação aqui é muito precária e também se repete em outros lugares”, contou Igor Lana, 41 anos, que é morador da região e cuida de uma cozinha solidária para ajudar vizinhos. Conforme Lana, que precisou paralisar o projeto social por falta de água na ocupação, muitas famílias dependem de doações para ter um botijão.

“Uma família que não consegue emprego e vive com R$ 80 do Bolsa Família não consegue comprar nem o gás. Eu cozinhava no almoço para ajudar, mas aqui está com falta de água, luz, passa muita dificuldade mesmo. Antes era de segunda a sexta, e já tem um mês que parei por não ter o recurso para lavar a louça”, acrescentou. Resultado da crise econômica provocada pela pandemia e os consequentes aumentos de preços, a falta de dinheiro até comprar um item tão essencial como um botijão de gás se repete em outras partes da cidade, como no aglomerado da Serra.

Morador da região, o conselheiro tutelar Rogério Rêgo já presenciou diversos exemplos. “Encontramos uma senhora que estava com os filhos vendendo chup-chup. Perguntamos como estava a situação em casa, já que eu estava com cestas básicas. E ela falou comigo que não precisava de comida, que podia passar para outra pessoa, mas que estava com falta do gás de cozinha. Peguei o endereço dela e levamos o gás para ela, agradeceu muito”, relatou.

O economista Paulo Casaca lembrou que a alta do insumo impacta de forma ainda mais cruel as famílias de baixa renda. “O gás de cozinha mais caro gera um efeito perverso nessa parcela mais vulnerável, que começa a usar fontes de energia menos segura como a lenha. Isso causa um impacto na economia, porque aumenta o índice de queimaduras, eleva o gasto do SUS com esse problema e reduz a produtividade. São pessoas que se machucam e não conseguem trabalhar por um período”, pontuou.

Preço médio do produto é de quase R$ 100 na região

Um levantamento divulgado nesta segunda-feira pelo Mercado Mineiro mostrou que o preço médio do botijão de 13 kg para entrega saltou de R$ 84,81 e R$ 99,87 em apenas sete meses na Grande BH. Só entre junho e julho, o instituto identificou um aumento de 8,1% em 105 estabelecimentos da região. Com isso, o produto ficou R$ 7,50 mais caro – no início do mês, a Petrobras autorizou um novo reajuste de 6% do produto que sai das refinarias.

Os dados também apontaram uma grande variação entre os distribuidores. Quando o produto é buscado na portaria, os consumidores encontram valores entre R$ 83 e R$ 125, uma diferença de 50,6%. Quando é entregue pelo estabelecimento, o índice fica em 42%. “Todo mundo sabe que as pessoas estão cada vez menos com dinheiro e esses reajustes consecutivos reduzem ainda mais o consumo e são muito prejudiciais à economia”, frisou o coordenador da entidade, Feliciano Abreu.

Para o cilindro de 45 kg, usado em condomínios, restaurantes e padarias, os reajustes também são elevados. Em quase sete meses, o preço médio teve uma forte alta de 13,2%, passando de R$ 342,73 para R$ 387,97. As variações entre os distribuidores são ainda maiores, de 65% – pode custar entre R$ 340 a R$ 495, aponta o levantamento.

“Somente de junho até julho, o aumento foi de 6,27%. Ele era R$ 365, em média, e passou agora para R$ 387,97, um aumento de 6,27%, que corresponde a R$ 22,90. Portanto, está cada vez mais difícil para o consumidor, aquele dono de restaurante de comida a quilo, os donos de padaria que utilizam o gás pelo cilindro”, afirmou Abreu.

Distribuidores também reclamam de reajustes

Assim como os consumidores, quem atua no ramo disse que o forte aumento é prejudicial. Proprietário de uma distribuidora de gás no bairro Eldorado, em Contagem, Arlindo Gonçalves lembrou que a margem de lucro está cada vez maior. “Ninguém aguenta isso mais. Quando tem o aumento, a fabricante repassa na hora. Só que você não consegue reajustar tudo isso para a população. Chegou em um ponto que está insustentável trabalhar”, declarou.

Segundo Gonçalves, as mudanças nos preços passaram a ficar mais frequentes a partir do segundo semestre do ano passado. Com isso, as vendas já caíram em torno de 20%. “Tem muita gente optando por outras formas para cozinhar, como a panela elétrica, a lenha”, afirmou. O coordenador do Mercado Mineiro, Feliciano Abreu, acrescentou que muitos estabelecimentos tentaram segurar os repasses, porém atualmente está inviável.

“O consumidor não tem noção que quando aumenta, é por conta de um reajuste da Petrobras. Muitas vezes, acha que o distribuidor está aumentando de qualquer forma. Tanto que no ano passado tivemos muitos que seguraram até quando puderam. Só que não dá para continuar assim, é uma situação muito difícil”, finalizou.

A pesquisa do Mercado Mineiro foi realizada entre os dias 13 e 16 de julho, com 105 estabelecimentos da região metropolitana de Belo Horizonte.

Fonte: O Tempo Online

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