Foi condenado a 43 anos e 6 meses de prisão um dos acusados pelos crimes de roubo, extorsão e sequestro praticado contra um gerente do Banco do Brasil, os pais dele, a namorada e um amigo, em 19 de fevereiro de 2019. A sentença é da juíza Lucimeire Rocha, da 9ª Vara Criminal de Belo Horizonte, e foi publicada em 13 de julho.

A magistrada ainda determinou que o acusado pague indenização de R$ 5 mil a cada uma das cinco vítimas. Outros três acusados foram absolvidos sob o acolhimento da principal tese dos defensores, de que houve ilegalidade na obtenção de provas, sem autorização judicial, além da fragilidade das provas apresentadas.

Fatos

De acordo com a denúncia, em 19 de fevereiro de 2019, dois dos acusados, sob ordens de outros dois homens que comandavam o crime de dentro de presídios da região metropolitana de Belo Horizonte, sequestraram o funcionário de uma agência do Banco do Brasil que havia assumido a função de gerente havia pouco tempo, abordando o veículo em que ele estava próximo da casa dele.

Em seguida, na tentativa de sequestrar outra funcionária, eles obrigaram o novo gerente a se dirigir para a residência da colega e a fazer contato com ela para que se encontrassem, sob o pretexto de se informar sobre dúvidas da função. Porém, como ela conhecia havia pouco tempo o gerente, negou-se a encontrar com ele naquela noite e disse que chegaria mais cedo no outro dia, frustrando os planos da quadrilha.

Eles passaram a vasculhar o celular do gerente em busca de outros contatos que pudessem se tornar reféns, em troca da obediência da vítima aos planos do grupo, que visava a subtração de valores do cofre do banco na manhã do dia seguinte.

Segundo o Ministério Público, chegaram a sugerir que ele buscasse o filho na casa da ex-esposa, mas terminaram por se dirigir à casa dos pais do gerente, em Betim. No trajeto embarcaram mais dois membros do grupo, um menor e outro chamado de piloto.

Chegando lá, entraram na casa com a vítima e, depois de roubar pertences e o carro da mãe do gerente, sequestraram também o pai, levando-os para um cativeiro no Bairro Justinópolis, em Ribeirão das Neves, e o gerente para um imóvel no Bairro São Francisco.

Na manhã de 20 de fevereiro, eles se dirigiram à casa do gerente, para que ele pegasse objetos pessoais e roupas e pudesse entrar no banco no dia seguinte sem levantar suspeita. Mas foram surpreendidos pela presença da namorada do gerente e um amigo, que pernoitaram na casa na expectativa de descobrir a razão do sumiço dele, que não dava notícias desde a noite anterior.

Na casa do gerente, pegaram objetos e roupas e sequestraram também a namorada e o amigo dele, levando-os no mesmo carro onde o gerente era transportado, no porta-malas, para o cativeiro onde estavam os pais dele.

Com todas as vítimas reunidas, fizeram ameaças e gravaram um vídeo ameaçando a família dele, além de colocar no corpo do gerente uma bomba, a fim de obrigá-lo a convencer os funcionários do banco a cumprir as ordens do grupo.

Eles dirigiram-se à agência onde ele trabalhava e determinaram que ele entrasse, explicasse que a família corria risco e pegasse o dinheiro que estivesse no cofre, aguardando-o do lado de fora.

Ao explicar a situação aos colegas, o encarregado da segurança ligou para o gerente principal, que acionou a Polícia Militar, frustrando os planos do bando, que fugiu.

Foram iniciadas diligências de campo e de inteligência, e o cativeiro foi localizado. A equipe especializada da Polícia Civil adentrou o recinto, libertou as outras quatro vítimas e prendeu o acusado R.S.A., que portava uma carabina calibre 22.

A polícia obteve acesso ao conteúdo do aparelho celular do acusado que vigiava o cativeiro, que explicou que praticou o crime a mando de outro acusado, que constava na agenda do celular como “FB PV5”, significando, segundo a polícia, “Fabrício Pavilhão 5”, o que levou à qualificação de F.L.F. como um segundo acusado.

Ele apontou ainda um terceiro acusado, que também lhe dava ordens de dentro do presídio, tendo a polícia indicado que se tratava de I.F.S.

Defesa

As defesas de três dos acusados, F.L.F., I.F.S. e R.C.S., alegaram que a polícia baseou-se nas informações e mensagens contidas nos celulares de um dos réus e das vítimas, além de um currículo de trabalho em nome de um dos acusados, localizado em um armário no local do cativeiro, para apontar os quatro acusados pelos crimes e pedir a prisão preventiva deles.

Pediram a absolvição dos acusados sob o argumento de ser frágil o acervo probatório apresentado, além de obtido de forma irregular e ilícita, sem a devida autorização judicial, com inexistência de laudos periciais e técnicos refererentes ao reconhecimento de vozes ou nos registros dos celulares, inexistência dos vídeos que demonstrariam a participação dos acusados.

Sentença

Em sua sentença, a juíza destacou que a Polícia Civil apreendeu o aparelho celular do acusado R.S.A., no mesmo momento de sua prisão em flagrante, e, “ao arrepio do disposto na Constituição, procedeu à consulta aos arquivos contidos no objeto, sem a devida autorização judicial”.

Ela ainda observou que não se pode confundir simples consulta à agenda dos aparelhos com a verificação de arquivos, áudios, mensagens trocadas através de aplicativos, lembrando que, no primeiro caso, o STF já decidiu ser dispensável a ordem judicial; mas, no segundo, a jurisprudência atual do STJ entende que não.

Sem a autorização judicial, de acordo com a juíza Lucimeire Rocha, a alegação de que o acusado R.S.A. autorizou a consulta deveria ter sido demonstrada, e ele negou esse fato em juízo, assim como esse consentimento não constou em suas declarações prestadas em sede de auto de prisão em flagrante.

A juíza ainda afastou a hipótese de exceção por se tratar de crime de sequestro, pois o entendimento do STJ é de que isso só se legitimaria em caso de risco à vida da vítima sequestrada, “pois aí temos valores absolutamente desiguais, devendo sempre prevalecer a vida”. Porém, frisou ela, a apreensão do aparelho e sua devassa ocorreu após a localização do cativeiro e a libertação das vítimas.

Apesar de concluir que foi ilícita a prova obtida por meio da verificação do celular do acusado preso em flagrante contra os demais acusados, a juíza frisou que esse fato não torna nulo o processo em relação ao primeiro réu.

Ela citou a doutrina jurídica que indica ser prova, do ponto de vista técnico, o que é produzido na fase judicial com a garantia do contraditório, e concluiu pela competência para prosseguimento da decisão, porque a nulidade alegada abarcou apenas elementos produzidos na fase extrajudicial.

A juíza Lucimeire Rocha destacou que os crimes ficaram provados pelo auto de prisão em flagrante do acusado R.S.A., pelo boletim de ocorrência, auto de apreensão e demais documentos, como relatórios de investigação, laudos de eficiência e prestabilidade de armas de fogo etc.

Confissão

Quanto à autoria, os demais acusados negaram a participação e até que conheciam o acusado R.S.A.

Já R.S.A., preso em flagrante no cativeiro, confessou que a ordem passada a ele era para participar, primeiramente, do sequestro da tesoureira e sua irmã, mas que os planos foram alterados, motivo pelo qual abordaram o outro gerente e depois a família dele, a fim de garantir o recebimento do dinheiro que seria retirado do Banco do Brasil.

Ele disse que cometeu os crimes para saldar pendências que tinha com o ex-cunhado, com o qual esteve preso na Penitenciária Dutra Ladeira, revelando que o contato FB em seu celular se referia ao ex-cunhado e não à pessoa apontada pela polícia.

R.S.A. revelou ainda que outras quatro pessoas participaram do crime, sendo que duas delas comandavam a operação de dentro do presídio por meio do celular. Um dos participantes, que estava encarregado de dirigir o veículo no dia do crime e era chamado de “piloto”, morreu posteriormente em uma troca de tiros, e um outro envolvido seria um sobrinho de R.S.A. que era menor de idade.

A juíza determinou que a pena de R.S.A. seja cumprida em regime inicialmente fechado, além de condená-lo ao pagamento de pena pecuniária referente a 75 dias multa. Também determinou que fosse expedido os alvarás de soltura em relação aos acusados absolvidos, se por outro motivo não estivessem presos.

Por fim, considerando que R.S.A. cumpre pena por outros quatro crimes de roubo e também por furto qualificado, negou a ele o direito de recorrer em liberdade, determinando que seja mantido no estabelecimento em que se encontra preso.

O processo tramitou sob o número 0024.19.035.732-7 .

Fonte: TJMG

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