Uma briga de trânsito acaba em violência a cada dois dias em Minas Gerais. Seja por um xingamento pela janela do carro, agressões físicas ou atropelamento, a sensação de segurança nas vias do Estado está cada dia mais baixa.

De acordo com os dados mais recentes da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), as infrações por desentendimentos no trânsito cresceram 43% em janeiro deste ano com relação ao mesmo período de 2022 – saindo de 14 casos para 20. Especialistas analisam falta de controle emocional, crescimento da intolerância e acúmulo de problemas de trânsito como agravantes.

Nos últimos dois meses, três casos de brigas no trânsito com desfechos ruins foram veiculados na mídia. O mais recente, do final de semana, culminou na morte do instrutor de autoescola Alessandro Gomes de Carvalho, de 48 anos, que foi arrastado por um carro e prensado contra outro veículo. O caso levou a familiares, amigos e ex-alunos do instrutor a manifestarem por justiça, uma vez que o motorista fugiu sem prestar socorro.

A morte de Alessandro gerou repercussão pela briga ter sido gravada por testemunhas e o vídeo compartilhado na internet, mas a maioria dos casos não chega a ser registrada pelos órgãos oficiais. A especialista em trânsito Cinthia Almeida afirma que os dados estão subnotificados. “Estamos acompanhando sim um aumento de violência no trânsito, muito maior do que o notificado. É comum que quando acontecem agressões, xingamentos, gestos inadequados, uma jogada do carro em cima de outro veículo, que a vítima não denuncie”, diz.

Almeida explica que o sentimento de impunidade e a movimentação do trânsito dificulta a tomada de decisão. “A pessoa precisa parar para pegar a placa do veículo que cometeu a infração e abrir a ocorrência estando em uma situação de coação. Em meio ao trânsito, ela já perdeu de vista o condutor e prefere deixar para lá. Ainda existe a crença de que não vai dar em nada, que não adianta registrar, pois o agressor não vai ser penalizado. Mas violência no trânsito acontece todos os dias, repetidamente”, continua a especialista.

De fato, não são raros os casos em que o agressor foge do local a fim de sair impune. O delegado Rodrigo Otávio Fagundes, da Divisão Especializada em Prevenção e Investigação de Crimes de Trânsito da Polícia Civil (DEPICT), reforça que a polícia tem inteligência para encontrar o suspeito. “É uma das coisas mais terríveis que pode acontecer. O indivíduo comete um erro e tenta fugir da responsabilidade. Nesses casos, nós damos atenção especial. Por meio de depoimentos de testemunhas, denúncias, câmeras de segurança, conseguimos encontrar o suspeito para puni-lo da forma correta”, afirma.

O delegado garante que a maioria dos agressores são encontrados e recebem aumento de pena de até ⅓. “Na verdade, o suspeito que foge está complicando para ele mesmo. No trabalho da polícia, quando recebemos uma ocorrência, nós intimamos os envolvidos e escutamos todas as versões, todos têm direito a ampla defesa. Então analisamos as provas colhidas no local e de investigação e concluímos um inquérito para punição do infrator. Quem fica para socorrer é menos penalizado”, continua Fagundes.

Trânsito: onde todos os grupos sociais se encontram

“Todas as diferenças se encontram no trânsito”. A fala da especialista Cinthia Almeida chama a atenção para a maior possibilidade de desentendimento nas vias públicas. “O desafio do convívio em sociedade é encarado no trânsito, onde ocorre o encontro de todos os grupos sociais. Se não há o cumprimento das normas, então a cidadania é posta à prova e aumenta o risco das reações agressivas”, diz.

É por isso que a individualidade e a falta de tolerância são apontadas como razões para o aumento recente da violência. “A violência exacerbada tende a reverberar nos conflitos dentro do trânsito. Um pequeno atrito é levado ao extremo quando as pessoas agem com intolerância e egoísmo. É uma desvalorização da vida, o infrator age com individualismo e não pensa na pessoa que está ali na sua frente, nas consequências. Ao invés do diálogo, estamos vendo escolherem a agressão”, reforça o delegado Rodrigo Otávio Fagundes.

Ainda, a especialista Almeida explica que, uma vez dentro de um veículo, é comum que o motorista ou piloto se sinta atingido pessoalmente quando ocorre um acidente. Assim, ele age com impulsividade para proteger a si mesmo. “O veículo é um instrumento de poder. Quando ocorre uma batida, por exemplo, a pessoa se sente agredida, como se o carro fosse a sua extensão. Dessa forma, fica muito mais fácil agir com agressividade, porque se esquece de olhar para o próximo e perceber o valor daquela vida. Você está focado no ódio em ter sido atingido”, explica.

Leis mais rígidas e aposta na educação

Para enfrentar a escalada da violência no trânsito, especialistas apostam em leis mais rígidas e no investimento em uma instrução baseada em tolerância e respeito nas vias. A Polícia Civil, por exemplo, realiza um trabalho de prevenção com a parceria da Polícia Penal e do Corpo de Bombeiros. “Realizamos campanhas preventivas com palestras e instruções por um trânsito mais seguro e tolerante. Trabalhamos inclusive com crianças, porque elas estarão ocupando as vias no futuro”, explica o delegado Rodrigo Otávio Fagundes.

É também na educação que a especialista em trânsito Cinthia Almeida acredita. “Começando pela educação infantil, para que as novas gerações possam aderir a uma postura diferente. E, então, nas aulas de autoescola, incluir aulas de controle de emoções, comportamento humano. Além de reforçar que a legislação não está alí para decorar, passar e esquecer, mas gerar segurança”, explica.

Almeida acredita que leis mais rígidas também podem funcionar para evitar novos casos de violência. “O nosso Código de Trânsito ainda tem muito a melhorar. Punições mais severas podem diminuir as infrações. Por exemplo, o sistema de acúmulo de pontos na carteira nem sempre funciona, porque nem sempre é o proprietário do carro que é o condutor. Às vezes, isso é usado até mesmo com a intenção de burlar a regra”, explicou.

Fonte: O Tempo

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