A Casa de Santa Maria, na cidade de Tuam, Irlanda, foi uma das dezenas de “lares” para onde meninas grávidas e mulheres solteiras eram enviadas para dar à luz em segredo durante grande parte do século XX. No local, as mulheres eram frequentemente separadas à força de seus filhos.

Alguns bebês foram realojados na Irlanda, no Reino Unido ou em lugares tão distantes quanto os Estados Unidos, Canadá e Austrália, mas centenas morreram e seus restos mortais foram descartados — as mães muitas vezes nunca souberam o que realmente aconteceu com os bebês.

Nesta segunda-feira (14), uma equipe de peritos forenses irlandeses e internacionais iniciou a escavação de uma vala comum em Tuam, que se acredita conter os restos mortais de 796 crianças.

De 1922 a 1998, a Igreja Católica e o Estado irlandês estabeleceram uma rede profundamente misógina de instituições que visavam e penalizavam mulheres solteiras. Isso criou uma cultura de contenção que afetou todos os aspectos da sociedade. As atitudes irlandesas mudaram desde então. Mas a vergonha, o sigilo e o ostracismo social que o sistema criou deixaram uma cicatriz duradoura.

A primeira filha de Maggie O’Connor, Mary Margaret, morreu em junho de 1943, com apenas 6 meses, em um desses locais.

“Neste mundo distorcido e autoritário, o sexo era o maior pecado para as mulheres, não para os homens”, disse Annette McKay, filha de O’Connor, à CNN.

Mulheres que tinham esse sinal visível de sexo — uma gravidez de ‘indulgência em pecado’ — eram ‘desaparecidas’ da paróquia, atrás de muros altos no fim de uma cidade”,
disse ela.

O’Connor foi enviada para o lar Tuam aos 17 anos, grávida, após ser estuprada pelo zelador da escola industrial onde cresceu, relatou a filha dela.

No lar, mães e bebês eram separados uns dos outros. Muitas mulheres foram enviadas para as Lavanderias Magdalene, casas de trabalho administradas por católicos, onde eram detidas como trabalhadoras não remuneradas.

Os bebês eram acolhidos ou adotados por famílias casadas, posteriormente institucionalizados em escolas industriais ou instituições de “cuidado” para pessoas com deficiência, ou adotados ilegalmente e traficados para fora da Irlanda.

Países como os Estados Unidos, receberam, da década de 1940 até a década de 1970, mais de duas mil crianças, segundo o Projeto Clann.

Mas muitas nunca sobreviveram à vida fora dos muros: pelo menos nove mil bebês e crianças morreram nessas instituições, incluindo em Tuam.

O’Connor, enviada para outra escola industrial após o nascimento de Mary Margaret, só soube que a filha havia morrido seis meses depois, enquanto estendia roupa.

“‘A filha do seu pecado está morta’”, disseram as freiras, relatou McKay, “como se não fosse nada”.

O’Connor acabou se mudando para a Inglaterra, onde criou outros seis filhos e viveu uma vida que, à primeira vista, parecia glamorosa, disse McKay. Mais tarde, ela descobriu que essa era a “armadura” de sua mãe, um “exterior brilhante” que a ajudava a sobreviver.

Descoberta da vala

Foi o trabalho de uma historiadora local de Tuam, Catherine Corless, que revelou que 796 bebês morreram em Tuam sem registros de sepultamento e que foram colocados em um tanque de esgoto desativado.

As autoridades inicialmente se recusaram a se envolver com as descobertas de Corless e descartaram completamente seu trabalho. As Irmãs de Bon Secours — as freiras que administraram o lar de 1925 a 1961 — contrataram uma empresa de consultoria que negou completamente a existência de uma vala comum, alegando não haver evidências de que crianças tivessem sido enterradas ali.

Mas Corless, as sobreviventes do lar para mães e bebês e seus familiares nunca deixaram de fazer campanha pelos bebês de Tuam e suas mães.

Em 2015, o governo irlandês abriu uma investigação em 14 casas para mães e bebês e quatro casas de condado, que encontraram “quantidades significativas” de restos mortais humanos no sítio de Tuam.

O inquérito constatou um “nível alarmante de mortalidade infantil” nas instituições e afirmou que o Estado não emitiu nenhum alarme sobre elas, embora isso fosse “do conhecimento das autoridades locais e nacionais” e “registrado em publicações oficiais”.

Antes de 1960, as casas para mães e bebês “não salvavam a vida de crianças ‘ilegítimas’; na verdade, parecem ter reduzido significativamente suas chances de sobrevivência”, afirmou.

O inquérito estatal levou a um pedido formal de desculpas do governo em 2021, ao anúncio de um plano de reparação e a um pedido de desculpas das Irmãs de Bon Secours.

Embora muitos familiares e sobreviventes sintam que a resposta do governo foi inadequada e que ainda não estão sendo tratados com o respeito e a dignidade que merecem, em Tuam agora há uma sensação geral de alívio.

Pelos próximos dois anos, especialistas forenses trabalharão nos locais de Tuam para escavar e analisar restos mortais de crianças.

“Poderia ter sido eu”

Na terça-feira (8), parentes e sobreviventes se reuniram no local para ouvir especialistas sobre os próximos passos.

“Poderia ter sido eu. Cada um de nós que sobreviveu lá estava a um triz de estar nas fossas sépticas”, disse a sobrevivente Teresa O’Sullivan à CNN.

O’Sullivan nasceu no abrigo em 1957, filha de uma mãe adolescente que mais tarde lhe disse que nunca parou de procurá-la, apesar das freiras lhe dizerem que “ela havia estragado a própria vida” e que seu filho havia sido enviado para os Estados Unidos.

Elas só se reconectaram quando O’Sullivan estava na casa dos 30 anos.

Mais recentemente, ela também encontrou um irmão por parte de pai, que estava com O’Sullivan para apoiá-la durante o início da escavação.

“Estávamos ao lado deles. Eles estavam nos quartos conosco, estavam no prédio conosco”, disse sobre os bebês cujos corpos acabaram na fossa séptica. “Precisamos tirá-los de lá”.

 

Fonte: Kara Fox-CNN Brasil

 

 

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