Profissionais que se dedicam ao cuidado da saúde das crianças tornaram-se alvo frequente de atos de violência no trabalho. Episódios de ameaça, xingamento e até agressão física contra pediatras motivam alguns a repensar a carreira e a cogitar a possibilidade de investir em uma nova especialidade.
Em São Paulo, uma amostragem recente encomendada pela Sociedade de Pediatras constatou que, a cada dez médicos da área, pelo menos seis já haviam passado por experiência do tipo. Apesar da inexistência de dados em Minas Gerais, sobram relatos de profissionais que se dizem assustados com o aumento de casos.
O avanço da violência é um claro reflexo do estado de calamidade em que a saúde pública se encontra, afirma Itagiba de Castro Filho, presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM-MG). ?Falta infraestrutura, falta remédio, faltam profissionais. E todas as reclamações da sociedade caem direto sobre os médicos, e não sobre o gestor público, que é o único capaz de tomar providências?, destaca.
Nessas situações, pediatras são os mais afetados, em função da ansiedade que os pais sentem quando os filhos não recebem atendimento imediato. E a falta de profissionais agrava o problema, observa a presidente da Sociedade de Pediatria em Minas Gerais, Raquel Pitchon.
?Todo mundo ouviu falar que a pediatria estava em crise e que os recém-formados não estavam interessados nessa especialização. Hoje, temos poucos médicos capacitados para atender crianças e essa carência fica ainda mais evidente nos plantões?.
Para ela, os pediatras são tão vítimas quanto a própria sociedade. ?Eles servem de para-raio, mas ninguém percebe o quanto estão sobrecarregados?.
Particular
E engana-se quem pensa que a falta de profissionais só existe na rede pública. Segundo Raquel, também há superlotação e poucos pediatras nos convênios de saúde, o que tem gerado espera no atendimento de até quatro horas.
Trabalhando há sete anos na área, o pediatra Felipe Dutra Nogueira conta que as grosserias viraram rotina. No entanto, já passou por experiências mais traumáticas, como ameaça de morte de um pai que reclamou da demora no atendimento. ?Muitos colegas estão enfrentando casos semelhantes. Alguns acabam fugindo para outras áreas. Quem fica é porque realmente ama a profissão?.
Linha de frente nos hospitais, urgência e emergência são consideradas ?áreas de risco?
Reclamações de violência contra pediatras também chegam frequentemente ao Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG), conta Fernando Mendonça, pediatra e secretário-geral da entidade. Segundo ele, a maior parte dos ataques é contra os que trabalham na porta de entrada da urgência e emergência.
?Por uma questão cultural, as pessoas preferem ir aos prontos-socorros a marcar uma consulta, acreditando ser esse o caminho mais rápido para ser atendido. Dependendo da gravidade do problema, porém, levará algum tempo até a criança ser examinada. O nervosismo após longa espera em filas gera esse problema?, diz.
A orientação do sindicato é a de que os profissionais recusem trabalhos em locais que não ofereçam condições mínimas de atendimento. As ocorrências mais graves que chegam à entidade são encaminhadas aos órgãos competentes, destacou Fernando.
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou ter conhecimento de episódios de violência pontuais em unidades de pronto-atendimento. Na tentativa de evitar novos casos, a SMS diz fortalecer a atenção primária. Hoje, há 350 médicos pediatras atuando na rede.