Transportar cargas entre Minas Gerais e a capital paulista em vias como a rodovia BR-381 (Fernão Dias) expõe caminhoneiros ao segundo maior índice de acidentes, furtos e roubos do Brasil. O trajeto só perde para as ligações entre Rio de Janeiro e São Paulo, em sua maioria pela BR-116 (Via Dutra).

Os dados são de uma pesquisa nacional realizada pela plataforma de aproximação de motoristas e cargas FreteBras, considerada a maior da América do Sul. O estudo analisou 130 mil fretes, entre 2018 e 2020. Segundo os dados, nem todos abertos para a reportagem, a Região Sudeste detém 40% dos fretes e sinistros analisados, o que permitiu uma avaliação mais detalhada dos trajetos dentro da região. As rotas consideradas de menor risco são as realizadas dentro do estado de São Paulo.


A lembrança das agressões físicas e violência psicológica sofridas no último roubo na Fernão Dias, no ano passado, tiraram o caminhoneiro Daivison Liberato por meses da atividade profissional. “Estava puxando (transportando) pneus de São Paulo para Recife. Na altura de Estiva (Sul de Minas), um carro com quatro pessoas armadas me parou na subida. Me arrancaram do caminhão, me jogaram no porta-malas de um carro e ficaram por oito horas me aterrorizando, perguntando entre eles o que fariam comigo. Achei que seria meu fim. Fizeram isso até carregar todo o caminhão deles com a minha carga”, recorda-se o gaúcho.

Um ano antes, ele tinha perdido o irmão, também caminhoneiro, em um desastre na Serra de Igarapé. “Tinha um acidente e o trânsito estava todo parado. Não tinha marcação, nem alerta. Para não passar por cima dos outros, meu irmão jogou a carreta no barranco. Morreu ali mesmo, na estrada”, se lembra Daivison.

No Sul de Minas, os relatos são de furtos de peças, além de cargas. “Tudo de ruim, para mim, acontece quando preciso parar no Sul de Minas. Lá é onde mais nos furtam. Nos postos, nas paradas de mecânica, no meio da estrada. Roubam com sol quente. É impressionante. Levam os faróis do caminhão, os pescadores do tanque, até os reservas (pneus sobressalentes). O único lugar que a gente tem sossego para dormir é em Oliveira. Paga R$ 20 e pode dormir mais seguro”, conta o caminhoneiro baiano Lourivandro Pereira Melo, de 32.

O motorista baiano José Carlos Pereira Coelho, de Guanambi, também já enfrentou apertos e violência na Fernão Dias. Quando tentou evitar as paradas no Sul de Minas, acabou pego em Atibaia (SP). “A coisa está tão feia que as seguradoras nem deixam mais a gente parar em Atibaia. Comigo, lá, foram dois carros com homens e uma mulher armados. Eles me colocaram no porta-malas de um carro, enquanto roubavam a carga. Às 22h, me soltaram em uma favela. O delegado ainda veio em cima de mim para saber se estava envolvido. O caminhão, acharam depois de dois dias”, conta.

O estudo da FreteBras permitiu, ainda, a identificação dos tipos de mercadorias e seus valores com maior e menor probabilidade de sinistros (acidentes ou crimes relatados pelos transportadores). Eletrônicos, fertilizantes, combustíveis, bebidas, sucatas de alumínio, aço e cigarro estão entre as mais propensas a sofrer um sinistro, enquanto produtos químicos, eletrodomésticos e têxteis estão entre as de menor risco.

A pesquisa também revela que 76% dos sinistros avaliados no período tiveram origem em acidentes e 24% foram relacionados a casos de roubo. Em geral, os trajetos com origem no Nordeste, em direção ao Sul do país, são os que têm os maiores índices de sinistralidade das cargas. Ou seja, os que mais se envolvem em acidentes ou sofrem com a ação de ladrões.

“Nosso time de gestão de risco analisou dezenas de milhares de fretes para estabelecer as rotas com maior ou menor probabilidade de sinistros, assim como o tipo de mercadoria e o valor das cargas mais visadas. Com isso, fomos capazes de criar um sistema realmente eficiente para validar os motoristas que farão o transporte das cargas, o que trará mais segurança para o setor”, afirma Marco Raduan, head de Gestão de Risco da FreteBras.

O levantamento serviu como base para a criação de uma ferramenta na plataforma, a FreteBras Risk, que gerencia riscos e é especializada em consulta e cadastro de motoristas. Por meio de tecnologia e inteligência artificial, o objetivo é comparar a compatibilidade dos caminhoneiros e veículos com as cargas.

De acordo com ele, as análises conseguem confirmar se a carga ou a rota têm alto índice de roubo ou acidente. “Agrupamos as mercadorias em tipos de produtos e cruzamos com o valor das cargas, chegando assim a uma matriz de pontuação de risco. Dessa forma, conseguimos mostrar quais os perigos em relação à rota traçada no frete, algo inédito no setor”, afirma.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) não comenta pesquisas que não têm a corporação como fonte. Mas informa que em todo estado, nos primeiros seis meses de 2021, as ocorrências de assaltos a veículos de carga aumentaram 25% em relação aos 12 meses de 2020 (primeiro ano da pandemia, que registrou redução de cargas). Por outro lado, a prisão de suspeitos teve salto de 133,3% na comparação dos mesmos períodos.

A corporação indica que algumas medidas podem ajudar a reduzir o volume de roubos de cargas e furtos nos caminhões. “Os motoristas devem escolher onde pernoitar, procurar locais mais seguros e evitar postos mais ermos, abandonados e escuros. Evitar comentar nas paradas que carga levam, principalmente se for mais valiosa”, recomenda o porta-voz da corporação, inspetor Aristides Amaral Júnior.

Fonte: Estado de Minas

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