Uma das minhas memórias mais antigas é estar em pé na sala de estar de uma casa pequena em Garden City, Michigan, imitando a pose do Hulk Hogan, enquanto meus pais riam.
Para mim, a plateia era minha mãe e meu pai, que não se cansavam de ver o filho pequeno tentando imitar aquele gigante lutador. Para Terry Bollea, nome real de Hogan, a plateia eram milhões de crianças como eu, que acreditavam que ele era a personificação do bem, o herói que sempre salvaria o dia. Ele nos dizia: “treinem, rezem, tomem suas vitaminas, sejam fiéis a si mesmos, ao seu país e sejam verdadeiros americanos.”
Quando você tem três ou quatro anos, isso é o mais puro possível. Hulk Hogan não era apenas um lutador para os fãs mirins no início dos anos 1990. Ele era um modelo. Um herói.
E foi exatamente isso que tornou sua virada de vilão, nos anos 1990, tão impactante. Hulk Hogan… do lado dos malvados? Eu já tinha parado de assistir wrestling nessa época, mas quando voltei a ver com 10 anos, não conseguia aceitar. Eu o odiava, mesmo que estivesse totalmente entretido. O homem que eu idolatrava na infância agora era malvado? Como ele pôde!
Alguns anos depois, quando voltou para a WWE como o herói em que sempre acreditamos, foi algo incrivelmente perfeito. Como Darth Vader destruindo o Imperador em O Retorno de Jedi.
Sabíamos que havia bondade nele — bondade vermelho-e-amarela, o herói que queríamos aplaudir como fazíamos quando éramos crianças. Lá no fundo, todo fã de wrestling de certa idade tinha uma necessidade quase instintiva de amar e torcer pelo Hulkster.
Quer Bollea quisesse ou não, ele carregava nas costas a inocência da infância de milhões de pequenos Hulkamaniacs. Hulk Hogan era sobre-humano, infalível — como a WWE sempre dizia, “o Imortal Hulk Hogan”.
Terry Bollea era qualquer coisa, menos isso. Uma das partes mais dolorosas de crescer é perceber que seus heróis infalíveis são tão humanos e falhos quanto qualquer um — às vezes até mais, especialmente no mundo excêntrico da luta livre profissional.
Em algum momento, toda criança percebe que o wrestling que vê na TV não é totalmente real. É um teatro brilhante, uma novela violenta que nunca termina. Mas também é tudo pré-determinado. E os lutadores estão trabalhando juntos — não um contra o outro. Essa é a primeira decepção. Porque, quando criança, você acredita com todo o coração.
A próxima lição difícil é perceber que os personagens da TV são apenas personagens. As pessoas reais por trás deles nem sempre são aquilo que você esperava.
A fita que mudou tudo
Para milhões de nós, isso ficou evidente quando ouvimos Bollea usando insultos raciais em uma gravação, falando coisas horríveis sobre a vida amorosa da filha. Conciliar o homem da fita com o personagem que amávamos não foi fácil. Partiu o coração de muitos fãs.
Após a divulgação do áudio, Bollea foi excluído da WWE e do mundo da luta livre profissional. Foi surreal — como o maior astro da história da luta livre simplesmente desaparece dos registros?
A resposta é: ele não desaparece. Em 2018, Bollea foi readmitido no Hall da Fama da WWE — para desgosto de alguns lutadores negros da empresa. Em 2019, voltou a aparecer nos programas da companhia.
Embora tenha pedido desculpas aos colegas de bastidores, ele também deu um “conselho” que pegou mal com parte do elenco: “Esse é o maior palco do mundo. A WWE é o maior holofote que existe. E se você for uma estrela pequenininha, nem escorregue numa casca de banana aqui, porque você está sob os holofotes. Tente não cometer erros como eu cometi. Mas se você for uma grande estrela aqui e cometer um erro, o mundo inteiro vai saber. Vai estar na capa de todo jornal e revista — como aconteceu comigo. Então, tenham cuidado. As pessoas têm celulares e câmeras por toda parte. Tenham cuidado.”
Thaddeus Bullard, conhecido como Titus O’Neill na WWE, foi um dos que não gostou da forma como Bollea se expressou — parecendo mais arrependido por ter sido pego do que pelas palavras que usou.
“Quando você está realmente arrependido, não precisa de roteiro. E com certeza não deve dar desculpas”, disse ele em 2019 no podcast Busted Open Radio. “Quero dar uma chance ao personagem Hulk Hogan e ao homem, Terry Bollea, de se redimir. Mas ele decepcionou muita gente — brancos, negros e todos os demais.”

Foto: Paul Kane/Getty Images
Uma despedida triste
Todo esse episódio deixou uma marca amarga nos fãs por anos.
Quando Bollea voltou à televisão como Hulk Hogan, a reação do público foi, no máximo, morna. E não ajudou o fato de surgirem cada vez mais histórias nos bastidores — em entrevistas “reais” com outros lutadores — pintando Bollea como manipulador, alguém que sempre dava um jeito de sair por cima.
Tudo isso complicou a imagem de um homem cujo personagem era tão bem-sucedido justamente por ser simples. Hulk Hogan era o bem absoluto — até virar o mal absoluto como “Hollywood” Hogan. É por isso que o personagem funcionava: ele foi, talvez, o mais bem-sucedido e icônico da história da luta livre.
Mas é triste saber que sua última aparição na WWE será no episódio de estreia do Monday Night Raw na Netflix, em 6 de janeiro. O público só viu Bollea — não o Hulkster — e o vaiou ferozmente enquanto ele tentava fazer uma de suas promos clássicas.
É um contraste gritante com como nos sentíamos quando Hogan “se fortalecia” no ringue, resistia ao vilão com um último suspiro, dava socos, um “big boot” e finalizava com seu famoso leg drop. Era simples, eletrizante, desafiador. Era tudo que o wrestling deveria ser. E é por isso que Hulk Hogan sempre será lembrado como um dos maiores de todos os tempos.
O preço de ser Hulk Hogan
No fim, Terry Bollea pagou caro por ser Hulk Hogan. No podcast “IMPAULSIVE”, com Logan Paul, ele revelou ter feito 25 cirurgias em 10 anos. Admitiu usar esteroides para manter os músculos gigantes dos “pítons de 24 polegadas” que promovia.
Nos últimos anos, fez inúmeras aparições públicas para promover sua cerveja, sua nova organização de wrestling livre, e outros negócios. Estava claramente levando tudo ao limite, até seus últimos dias.

Foto: Anna Moneymaker/Getty Images
Não que isso fosse surpresa, vindo do homem que alegou uma vez ter lutado 400 vezes num único ano, por causa das viagens entre EUA e Japão cruzando a Linha Internacional de Data.
Como tantos outros lutadores, Bollea deu tudo de si para entreter os fãs. Mas é inegável que ele nunca conseguiu personificar os ideais do personagem Hulk Hogan — aquele herói inocente que vestíamos nas fantasias de Halloween, com bandana na cabeça e camiseta rasgada no peito.
É tudo muito triste. Sinto muito por seus filhos, esposa, família e amigos. Sinto muito pelo garotinho dentro de mim que um dia se fantasiou de Hulk Hogan. Sinto muito que a história de Terry Bollea não possa ser tão pura e inspiradora quanto os personagens que ele viveu na TV.
Hulk Hogan será lembrado como um dos maiores heróis e vilões da história da luta livre. Ele levou o wrestling para o mainstream e mudou o jogo para sempre. É um ícone carismático e extravagante que viverá para sempre — verdadeiramente imortal.
O legado de Terry Bollea, no entanto, é muito, muito mais complicado.
Fonte: Kyle Feldscher/CNN