No 33º aniversário da Constituição Federal de 1988, comemorado nesta quarta-feira (5), o símbolo da redemocratização brasileira passa, entre outras conquistas, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de a lei que rege o SUS ter sido sancionada pelo ex-presidente Fernando Collor só em 1990, é a partir do que consta no artigo 196 Constituinte que surge o sistema que universaliza a saúde no Brasil: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, informa o trecho.

Ao longo dos anos, a partir da participação popular e da construção coletiva entre diferentes atores do setor, o SUS se tornou referência em diversas frentes. Hoje, o Brasil tem o maior sistema de transplantes do mundo: é no tratamento contra o câncer que o paciente da saúde suplementar e o que depende do sistema público se equiparam completamente em condições de assistência médica. Outro ponto em que o SUS se destaca gira em torno das campanhas de vacinação. A jornada contra a Covid-19, por exemplo, provou a agilidade que o Brasil tem para imunizar sua população quando há matéria-prima e incentivo para tal. Mesmo começando depois de países com Estados Unidos e Inglaterra, o País vacinou mais rápido.

Fiel defensor do SUS, o infectologista Unaí Tupinambás, que integrou o Comitê de Enfrentamento à Covid-19 em Belo Horizonte, diz que a criação do sistema foi o passo mais importante para o processo civilizatório do Brasil após a redemocratização. “O SUS é um dos cinco sistemas do mundo que oferece à população todas as vacinas preconizadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde). O SUS tem uma dimensão que extrapola a questão da saúde em si. Ele vai na vigilância sanitária, ele faz programas de prevenção. Só quem não conhece, não defende o SUS”, diz.

A universalização garantida pelo SUS não é comum a outros sistemas de saúde mundo afora. O comparativo mais usado quando se discute o tema é sempre com os Estados Unidos, onde o sistema pluralista empresarial deixa a população de baixa renda desamparada, mas o Brasil larga na frente no duelo contra diversos outros países desenvolvidos. Na França, por exemplo, os usuários pagam e são reembolsados em alguma parcela após a prestação do serviço, sem qualquer centralização. A procura pelo atendimento é de livre escolha do paciente, assim como as prescrições.

Já no Reino Unido, o National Health Service (NHS) trabalha com uma lógica semelhante à do SUS: de acesso universal do paciente ao serviço. Porém, na prática, há dificuldades para levar o atendimento até a ponta, ou seja, o paciente. Um caso ocorrido em Belo Horizonte ilustra bem a diferença. “Nós temos mais pacientes em tratamento do HIV do que quase todo o sul da Inglaterra. Numa visita em que eles (pesquisadores ingleses) estiveram aqui, ficaram surpresos com a eficiência do SUS. É uma coisa para nos dar muito orgulho”, diz o infectologista Unaí Tupinambás. Ele faz referência ao Centro de Treinamento e Referência em Doenças Infecciosas e Parasitárias Orestes Diniz (CTR-DIP), administrado pelo Executivo municipal em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

No comparativo com outros países da América Latina, o SUS também sobra. A maioria dos vizinhos oferecem serviços públicos de saúde segmentados, portanto somente uma parcela da população tem direito ao atendimento médico-hospitalar. Na Argentina, por exemplo, há três fragmentações: a pública, a privada e a previdenciária. Apesar disso, cerca de 40% da população não tem recursos para pagar pelo serviço.

 

Até estrangeiros são atendidos

O SUS funciona de portas abertas desde que foi institucionalizado. Com isso, basta estar doente para receber atendimento, independente de morar no Brasil ou não, ter documento ou não, das condições financeiras e sociais, da cor ou da orientação sexual. “Isso é diferente de muitos países ao redor do mundo que têm sistemas universais. Geralmente, ele é feito apenas para nacionais natos. Aqui, qualquer estrangeiro ou turista é atendido. Não é por acaso que o sistema britânico foi copiado do nosso. É uma legislação das mais avançadas”, diz Thayan Fernando Ferreira, advogado especialista em direito público e direito médico do escritório Ferreira Cruz.

 

Pode melhorar?

Apesar das inegáveis benesses trazidas pelo Sistema Único de Saúde, ainda há melhorias a serem feitas para garantir integralidade e eficácia do SUS a longo prazo. Para o advogado Thayan Fernando Ferreira, advogado especialista em direito médico, a gestão dos recursos precisa mudar: em vez de cada ente da federação (estados, municípios e União) decidirem sobre as aplicações, ele defende uma federalização da tomada de decisão.

Existem repartições entre os municípios, estados e a União. Só que a União recolhe muitos dos recursos e repassa aos outros entes. Se houvesse uma centralização, seria mais fácil de gerenciar, porque existem estados e municípios que não têm a mesma condição para gerar impostos e realizar investimentos. Com isso, essa federalização tornaria o sistema mais democrático para todos os entes, fazendo com que as obras de infraestrutura e a compra de equipamentos seja igualitária, para que o SUS tenha um atendimento mais moderno e eficaz“, diz o especialista.

No campo da assistência, o médico Unaí Tupinambás ressalta a necessidade de o SUS ter mais investimentos na prevenção de doenças, não só no tratamento delas. “Temos que fortalecer a atenção primária, porque é lá na ponta que vou evitar de aparecer, lá na frente, um paciente com infarto, com lesão renal e com derrame, por exemplo. O Brasil, até 2016, 2017, conseguiu reduzir o tabagismo. Desde então, essas ações têm diminuído e há um aumento do tabagismo no Brasil. Essas políticas precisam ser retomadas”, afirma.

 

Fonte: O Tempo

 

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