A Operação “Carne Fraca”, deflagrada pela Polícia Federal, no dia 17 deste mês, detectou um esquema de corrupção e liberação irregular de licenças em cerca de 21 frigoríficos, sob a acusação de que vendiam carne estragada, faziam uso de carne proibida em lotes de linguiça, comercializavam produtos fora da validade, usavam produtos químicos para atenuar o odor da carne, injetavam água na carne para aumentar o peso, trocavam as etiquetas das datas de validade dos produtos.

Na semana seguinte ao início da operação, diversos países suspenderam a compra da carne brasileira e pediram explicações ao governo brasileiro e no mercado interno os açougues tiveram filas de consumidores para comprar carne in natura.

No dia 21, a Polícia Federal e o Ministério da Agricultura assinaram nota conjunta informando que o sistema de inspeção federal brasileiro já foi auditado por vários países, sendo atestada a sua qualidade e, casos pontuais, não comprometem a integridade sanitária do sistema produtivo brasileiro. Sem sombras de dúvidas, estava iniciada a Operação Pano Quente do governo e esta nota foi fruto da pressão das empresas produtoras de carne, de suas associações e de integrantes do Poder Executivo, para tentar minimizar os efeitos da Operação Carne Fraca.

A seguir o governo determinou a retirada do mercado consumidor dos produtos das unidades de frigoríficos detectadas com irregularidades.

As associações dos produtores reclamaram do tom midiático da ação e pediram mais ponderação, assinalando as consequências para as empresas envolvidas, como diminuição do faturamento, das exportações e consequentemente a necessidade de demissão de funcionários.

Agora, vamos supor que a Polícia Federal, antes do dia 17 fosse ao Ministro da Justiça detalhar as irregularidades detectadas na operação, antes da divulgação pública. Imediatamente os políticos ligariam para as empresas produtoras, muitas delas financiadoras de campanhas políticas, e antecipariam as irregularidades detectadas pela Polícia Federal. Por fim, não deixariam que a Polícia Federal tornasse pública a operação e, no máximo, determinariam uma inspeção federal nos frigoríficos envolvidos (os quais já teriam sido avisados de antemão para não deixarem irregularidades à vista). E quais as justificativas? Os políticos do Poder Executivo encontrariam muitas, como o fato de não poder prejudicar um setor produtivo tão importante, gerador de empregos, de impostos e grande setor exportador, e no fundo também, estariam protegendo um grande setor financiador de suas campanhas eleitorais, em um momento que os políticos perderam como importantes financiadores eleitorais as construtoras envolvidas na Operação Lava Jato. E o interesse público, no caso específico dos consumidores? Bem, pelo que sabemos, seria relativizado e ficaria em segundo plano.

Além disto, os frigoríficos e as empresas envolvidas não explicaram como funciona o seu processo de trabalho, respondendo o que é feito com as carnes fora do prazo de validade e as carnes estragadas? Como estas são descartadas? São reutilizadas? A resposta a estas perguntas é de suma importância, mas as empresas somente fazem marketing, blindando os seus produtos, mas sem responder a estas perguntas pontuais, para sanar as dúvidas geradas pelas irregularidades constatadas.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) no dia 20 deste mês, solicitou do governo a retirada das mercadorias contaminadas do mercado, mais transparência sobre o processo de fiscalização, informações sobre a atuação do Sistema de Inspeção Federal (SIF). O IDEC recomendou que o consumidor não consuma produtos das empresas relacionadas na operação, até todos os produtos terem os riscos descartados. Caso tenha adquirido produtos dessas empresas e ainda não tenha consumido, o consumidor deve fazer a devolução e a troca no local onde adquiriu. Até a solução das irregularidades, o IDEC aconselha que o consumidor priorize alimentos in natura, ou minimamente processados e não embalados, e evite alimentos ultra processados, produzidos a partir de carnes, como salsicha, linguiça, nuggets, hambúrgueres, etc. Na compra de carnes frescas o consumidor deve ficar atento às seguintes características: se apresenta coloração avermelhada, textura não pegajosa e lisa, ausência de mau cheiro.

A indústria da carne se mostra indignada com o que aconteceu, mas diante da gravidade das acusações, podemos agradecer à Polícia Federal por expor as fragilidades e isto fará com que ocorra a melhoria da qualidade dos produtos disponibilizados para os consumidores. Ao final, constatamos que devemos relativizar como indicadores de qualidade de produto o fato de pertencer a determinado fabricante ou mesmo o selo de qualidade constante nas embalagens.

Na segunda-feira (27) alguns grandes importadores da carne brasileira passaram a retirar a suspensão de compras, exceto dos 21 frigoríficos diagnosticados com irregularidade, e está estimada uma queda de 10% nas exportações de carne no ano de 2017.

Esperamos que as autoridades e as empresas envolvidas venham a adotar práticas mais protetivas do consumidor, onde todos ganham. Além disto, esperamos poder ter um sistema produtivo e fiscalizatório mais robusto e confiável em todo o sistema produtor de bens para o consumidor, ao lado de um aparato policial atuante para reprimir eventuais abusos e de um Ministério Público independente, pois é isto que se espera de um país democrático, onde órgãos executam, outros fiscalizam, outros reprimem e outros acusam e julgam.

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