Grupo de juristas, liderado pelo ex-ministro da Justiça e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), Miguel Reale Júnior, apresentou  parecer, datado de 13.09.2021, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), da Covid-19, do Senado Federal, demonstrando o governo federal não ter garantido cuidados para a preservação da vida e da saúde.

O artigo 283, do Código Penal, descreve a conduta do tipo penal de charlatanismo, nesses termos: “Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível”.

Diversas autoridades públicas, principalmente o presidente da República, defenderam e fizeram propaganda do uso de medicamentos sem eficácia comprovada, em diversas aparições públicas.

A repetição pública da propaganda de medicamentos sem eficácia “…em razão de sua reiteração pública, e de estar apoiada em políticas de saúde, desenvolvidas por si e pelos coautores, que buscavam facilitar o uso, disseminar e incentivar a prescrição de tais substâncias, faziam com que os destinatários das mensagens acreditassem que se tratava de método infalível de cura da Covid-19, desde que aplicado preventivamente ou em estágios iniciais da doença.

O presidente da República fez diversas manifestações defendendo a infalibilidade de medicamentos sem eficácia.

Em 24.08.2020, em discurso, disse que mais de dez ministros de seu governo teriam se tratado com cloroquina e nenhum foi hospitalizado.

Em 24.10.2020, publicou que: “No Brasil, tomando a cloroquina, no início dos sintomas, 100% de cura”.

Em 26.10.2020, ele disse: “Eu tomei a hidroxicloroquina, outros tomaram a ivermectina, outros tomaram Annita… E deu certo. E, pelo que tudo indica, todo mundo que tratou precocemente com uma dessas três alternativas aí foi curado”.

O parecer afirma que no “crime de charlatanismo a conduta proibida consiste em inculcar (indicar ou apregoar) ou anunciar (fazer público) a cura de uma doença por meio secreto ou infalível. Deve estar relacionada a doença que acometa humanos…

Esses primeiros requisitos estão presentes nas condutas praticadas pelo presidente da República, através da disseminação pública do tratamento precoce, do “kit covid”, incluindo medicamentos como a cloroquina. Houve, diversas vezes, a defesa da infalibilidade desses medicamentos.

A conduta do crime de charlatanismo “não exige habitualidade para sua configuração, mas deve haver perigo de dano à saúde para a configuração do crime, por meio, por exemplo, da probabilidade de abandono dos cuidados devidos”. Além disso, sua tipificação não exige a existência de lucro próprio ou alheio.

O crime somente se pratica quando houver dolo, com consciência da ineficácia do método de cura, o que é plenamente caracterizado no caso de indicação do uso do tratamento precoce contra o coronavírus, após a  Organização Mundial da Saúde ter interrompido testes com cloroquina e hidroxicloroquina desde junho de 2020 e a FDA ter revogado o uso de tais medicamentos no combate ao coronavírus.

Euler Antônio Vespúcio – advogado tributarista

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