Há um ano, o rompimento da barragem da Vale devastou plantações, áreas de vegetação e também cursos d’água, como o Ribeirão Ferro Carvão e o Rio Paraopeba, que teve seu uso suspenso após a tragédia. Passados 12 meses, a recuperação do meio ambiente ainda é tarefa a ser cumprida, assim como as obras para garantir o abastecimento de água na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Desde 25 de janeiro do ano passado, a agricultora Soraia Aparecida Campos, de 42 anos, utiliza somente água mineral para beber ou cozinhar. “Porque a gente não confia em análise nenhuma ainda”, justifica. A cada semana, a moradora do bairro Parque da Cachoeira, uma das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), recebe 60 litros de água.

Para Soraia, a tragédia representou a perda de seu ganha-pão. No terreno onde plantava hortaliças, dezenas de corpos das 270 vítimas da tragédia foram encontrados.

Antes, do fundo de casa, ela conseguia ver diversos tons de verde da plantação; hoje, no horizonte, avista um paredão cinza, que faz parte das obras para contenção do rejeito derramado pelo rompimento da barragem B1, localizada na mina do Córrego do Feijão, além de tendas usadas na maior operação de buscas do país.

“Isso aqui era o paraíso, a coisa mais linda que você imaginar. Tinha um córrego, aí tinha verde claro, verde escuro, a coisa mais linda do mundo porque aqui tudo era agricultura”, relembra.

Segundo a agricultora, todos os dias, um caminhão carregado de verduras saía de onde, atualmente, o marrom do rejeito se espalha. Para ela, quem vivia da terra na região está sem identidade.

“Hoje nós estamos sem rumo. A agricultura em Brumadinho, para mim, não vejo aquele ‘vou começar de novo’. Não vejo onde começar aqui”, afirma.
O Ribeirão Ferro Carvão que passa pela região também perdeu o rumo com o mar de lama e, em vários trechos, corre por onde nunca havia passado antes do desastre. “Esse córrego está no habitat dele incorreto”, diz o comerciante Adilson Charlys Ramos de Souza, de 45 anos.

Da barragem até o Rio Paraopeba, o Ferro Carvão tem cerca de 10 quilômetros. A Vale afirma que, ao longo de 12 meses, conseguiu reproduzir o curso de parte do ribeirão. O trecho tem cerca de 800 metros, de acordo com o gerente executivo de projetos de recuperação da área de Brumadinho, Rogério Galvão.

Ribeirão Ferro Carvão foi invadido por mar de lama — Foto: Raquel Freitas/G1

“A gente estabeleceu este ponto, como um ponto inicial para a gente implantar um projeto nosso conceitual de recuperação ambiental. Nós chamamos de Marco Zero, justamente por ser um projeto piloto”, explica.

Segundo ele, grande parte da lama despejada da barragem ficou depositada no Ferro Carvão, que deságua no Rio Paraopeba – até a tragédia, um dos responsáveis pelo abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A mineradora estima que cerca de 10 milhões de metros cúbicos de rejeito vazaram da barragem.

De acordo com a Vale, já foi feita a remoção de mais de 1,3 milhão de metros cúbicos ao longo da área atingida. Segundo Galvão, a lama retirada está depositada em áreas provisórias. “No futuro, a gente vai estar depositando definitivamente dentro da cava de Feijão”, diz.

Segundo ele, a retirada de rejeitos depende também dos trabalhos de buscas e a expectativa é que ela seja concluída em cinco anos. Mas ainda não há um prazo oficial.

No Paraopeba, máquinas fazem a dragagem da lama. “A nossa intenção é que os dois primeiros quilômetros do Rio Paraopeba, que é onde realmente teve maior deposição de rejeito, sejam completamente dragados agora neste ano de 2020”, afirma.

Dragas são usadas para retirar rejeito do Rio Paraopeba, que teve seu uso suspenso após tragédia — Foto: Raquel Freitas/G1

Novo sistema de captação de água

A chegada da lama ao rio após o rompimento da barragem trouxe problemas que ultrapassam os limites de Brumadinho. Em janeiro do ano passado, o Paraopeba teve o uso de sua água suspenso.

Cerca de três anos antes do desastre, a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) havia inaugurado um ponto de captação no rio como uma ação para solucionar a crise hídrica que a Grande BH enfrentava naquele momento. Agora, o abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte depende da construção de uma nova estrutura para retirada de água.

As obras são feitas em Ponte das Almorreimas, 12 quilômetros acima da área atingida pelos rejeitos de minério da mina do Córrego do Feijão. Na comunidade da zona rural de Brumadinho, a implantação da nova captação tem trazido transtornos e gerado polêmicas entre os moradores e proprietários de terra. O impasse foi parar na Justiça e as obras, que começaram em outubro, chegaram a ser suspensas.

A família da técnica em química Cláudia Márcia Gomes Saraiva, de 51 anos, é dona de um dos terrenos onde a construção está sendo realizada.

“O terreno foi escolhido, e a gente não foi avisado. Quando a gente descobriu, tinham pessoas passeando dentro do terreno. Nós fomos ver o motivo, eles estavam fazendo estudos para ver se a obra poderia ser aqui”, diz.
De acordo com Cláudia, para 32 mil metros quadrados, foram oferecidos pouco mais de R$ 230 mil, valor que considera irrisório. O acordo entre os proprietários e a Vale não foi fechado na área declarada de utilidade pública pelo governo do estado.

“Todos os dias tem na nossa porta oficial de Justiça, com desapropriação, com outras coisas. E, ainda por cima, a gente se sente ameaçado porque falaram com a gente assim: ‘ou vocês aceitam ou vocês vão para a Justiça’. Nós temos que entrar na Justiça para tentar tomar de volta o que é da gente, entendeu? E a gente não tem dinheiro para ficar fazendo isso”, desabafa.

Segundo a Vale, os valores apresentados em eventuais ações judiciais são lastreados por norma técnica específica. Sobre o terreno da família de Cláudia, a mineradora afirma que “o valor de R$ 231 mil foi depositado em juízo para a área de influência direta do projeto que equivale a 2,7 mil metros quadrados”.

Obras para implantação de novo ponto de capitação no Rio Paraopeba começaram em outubro e chegaram a ser suspensas por decisão judicial — Foto: Raquel Freitas/G1

Ladeada pelo terreno e pelas obras, está a Igreja de São Vicente de Paula. Moradores temem que a capela seja impactada e não resista aos impactos das máquinas trabalhando no local. Eles também denunciam a demolição de um muro de pedras no início deste mês. De acordo com moradores, ele seria centenário.

O bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, dom Vicente de Paula Ferreira, diz que foi surpreendido com a derrubada do muro e afirma que já acionou o Ministério Público para tomada de providências.

Dom Vicente diz não ser contra as obras, já que elas serão responsáveis por garantir o abastecimento de água em toda Grande BH, mas pondera. “Quem mora na Região Metropolitana deve ter clareza de que forma isso está sendo feito e que está afetando famílias. (…) Reparar danificando outras vidas, outros territórios, a gente não concebe isso como uma reparação justa”, diz.

A previsão é que a obra fique pronta em setembro deste ano. Enquanto isso, os moradores convivem com a perda da tranquilidade de um lugarejo acostumado com o sossego.

O que diz a Vale

Em relação ao questionamento sobre a situação da água no bairro Parque da Cachoeira, a Vale afirma que não há comprometimento da qualidade ofertada. “A fim de auxiliar a um abastecimento sem intermitência, a Vale está instalando um novo reservatório com capacidade de 75 mil litros. Enquanto, a instalação não for concluída, a empresa distribui garrafas de água mineral para as famílias”, esclarece.

Sobre a qualidade da água de rios, a mineradora disse que são 90 pontos de monitoramento. Até o momento, de acordo com a Vale, já foram realizadas cerca de 4,5 milhões de análises de água, solo e sedimentos em mais de 40 mil amostras para análise de diversos parâmetros, como a presença de metais na água, pH e turbidez.

Já em relação às obras do novo ponto de captação, a Vale informou que 40 famílias são impactadas pelas intervenções que fazem parte do novo sistema.
Acerca dos terrenos, a empresa diz que cada proprietário foi contatado individualmente para apresentação do projeto e abertura das negociações, que, em alguns casos, ainda estão em andamento.

A empresa diz que está avaliando os impactos na Igreja de São Vicente de Paula e que está sendo discutida, ainda, a possibilidade construção de uma nova capelinha em local a ser definido em conjunto com a comunidade.

A Vale também afirma que o muro de pedras foi objeto de resgate arqueológico, devidamente solicitado e autorizado junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

 

Fonte: G1 ||
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