Eleição após eleição ouve-se falar sempre que o cidadão deve votar consciente, exercendo bem a cidadania e por consequência fortalecendo a democracia. A recomendação mais incisiva vem da imprensa; mas políticos e até a própria Justiça Eleitoral incentivam a conscientização sobre a importância de votar, mas apenas quando as eleições estão próximas.
Trata-se de um equívoco histórico que se tem perpetuando. O argumento dos defensores da permanência da obrigatoriedade limita-se e se esgota na tese de que o brasileiro não sabe votar e é desinteressado pela política.
Pode ser que o fato de ser forçado a votar aumente a presença de comparecimento às urnas, mas não aumenta a legitimidade dos eleitos, pois quem vota apenas para cumprir seu dever não se interessa pela escolha do candidato, não participa das decisões após eleito, e entende plena a sua cidadania apenas com o apertar de uma tecla.
Deveria ser cobrado, e não é, o envolvimento da sociedade nas decisões administrativas dos eleitos. A começar por debates nas escolas de ensino básico sobre as atribuições de cada Poder. A discussão didática se limita em dizer que o Poder Legislativo faz leis; o Executivo as executa; e o Judiciário exige o cumprimento. Um clichê que decorei nos anos setentas.
Uma participação efetiva poderia ser através do acompanhamento de um projeto de lei na Câmara e no Senado Federais por um grupo de pessoas. Visitas de alunos nas votações das assembleias estaduais e nas câmaras municipais, por exemplo, ajudaria na conscientização de como o parlamentar vota e como é aplicado o dinheiro público. Simulações poderiam ser feitas nas escolas. Isso, sim, contribuiria para o aperfeiçoamento da cidadania. Efetivamente, o político só aparece quando é candidato para dizer o seu número numa disparada verbal que impossibilita decorar.
Além do mais, essa obrigatoriedade assemelha-se à chamada indústria da multa. Quando deixa de votar, o cidadão paga uma multa de pouco mais de três reais, que tem a mesma relevância do voto. O dinheiro arrecadado com as multas vai para os partidos. Ora, os partidos são pessoas de Direito Privado, como outra qualquer, ao receber dinheiro de arrecadação pública, fere no mínimo a razoabilidade e o bom-senso. Pouquíssimas pessoas sabem quanto se arrecada e nenhuma sabe dessa destinação. Seria muito mais justo o repasse a entidades de interesse social relevante.
O Brasil tem tradição em ser o último a acabar com as distorções. Foi assim com a escravidão que, muitos entendem, ainda continua; com os torturadores da Ditadura Militar, com a legalização do aborto e do casamento entre homossexuais.
Com a obrigatoriedade do voto ocorre o mesmo. Não se lê nada nos editoriais dos jornais; não se ouve nenhum democrata falar nisso no rádio nem na televisão; nenhum jornalista escreve sobre; não se sabe a posição de nenhum famoso a respeito, mesmo daqueles que são bem remunerados para falar favor ou contra candidatos ou para ter medo de outros.
No Brasil o que é normal e razoável passa a ser a exceção. Com os denominados formadores de opinião não poderia ser diferente. Eles são dolosos ou inconscientemente coniventes e mais comprometidos em manter e eternizar a mediocridade. Estamos nos acostumando com a política como sinônimo de falcatrua, compra de parlamentares e desculpas pela continuação permanente de problemas sociais.
Escrevi o primeiro texto sobre o fim do voto obrigatório em 1998. Somente o falecido Roberto Campos escreveu dois artigos no mesmo sentido.
Com o voto obrigatório, o Brasil está atrás de Bolívia e do Haiti. Instituir o voto facultativo se faz imperioso até para tornar coerente a defesa decantada da democracia. Tornar um eleitor consciente tem se limitado em informá-lo a cor certa do botão que deva apertar na urna eletrônica. É elementar: não há democracia onde o voto é obrigatório.