Quando há um grande e reconhecível desafio pela frente, as pessoas costumam avaliar a situação com um “Haja fígado!”. A expressão não acontece por acaso, já que pelo órgão passam diversas impurezas, sofrendo “ataques” que são defendidos a partir da produção da bile, um fluido espesso e amarelado essencial para a digestão e absorção de gorduras.
Já dá para imaginar o que pode acontecer se algo der errado neste caminho. Algumas das principais doenças que acometem o fígado são as hepatites virais – como o próprio nome já indica, são aquelas transmitidas por vírus. No Brasil, as formas mais comuns são provocadas pelos vírus A, B e C. Os outros tipos são D (com maior ocorrência na região Norte) e E, que é encontrado na África e na Ásia.
O Brasil apresentou um aumento de casos de hepatite A da ordem de 325% na taxa de incidência entre 2022 e 2024, segundo boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde na semana passada. A situação torna ainda mais relevante a campanha realizada contra a doença, dentro do que chamam de “Julho Amarelo”.
“As hepatites virais representam importante fonte de morbidade e mortalidade na população brasileira e mundial”, afirma Osvaldo Couto, médico hepatologista da Rede Mater Dei de Saúde. “Uma campanha de conscientização sobre esse tema é muito importante para alertar sobre as potenciais consequências da doença, informando principalmente a possibilidade de imunização, os mecanismos e fatores de risco para transmissão dos vírus e a disponibilidade de tratamento”.
O impacto dessas infecções ocasiona a morte de 1,4 milhão de pessoas por ano no mundo, seja por infecção aguda, câncer hepático ou cirrose associada às hepatites virais. A taxa de mortalidade da hepatite C, por exemplo, pode ser comparada à do HIV e da tuberculose.
Couto explica que o diagnóstico de hepatite é feito por meio da história clínica (anamnese), do exame físico e de testes complementares. “As hepatites virais na fase aguda podem apresentar náuseas, vômitos (no caso da hepatite A) e icterícia (amarelão no branco dos olhos). Já na fase crônica, a maioria das hepatites são assintomáticas, e as alterações mais importantes só se expressam em uma fase mais avançada da doença, normalmente quando o indivíduo já desenvolveu cirrose”, detalha.
A testagem é gratuita nos postos de saúde ligados ao Sistema Único de Saúde (SUS) para as hepatites B e C. Existe ainda a “hepatite alcoólica”, quando é causada pela ingestão de álcool, e também é possível ter o quadro de forma secundária à intoxicação por um remédio (hepatite medicamentosa) ou pela infiltração de gordura (hepatite gordurosa).
A complexidade da doença, no caso das hepatites virais, está no fato de que cada tipo tem um mecanismo principal de transmissão. Uma das mais comuns, a hepatite pelo vírus A é transmitida prioritariamente pela ingestão de água ou alimentos contaminados (resultado de má higiene quando manipulados). Também pode ser transmitida por contato sexual (oral-anal).
A hepatite pelo vírus B é considerada uma infecção sexualmente transmissível, por ser este o principal mecanismo de transmissão. Pode ser também passada por contato com sangue contaminado e da mãe para o filho durante a gestação ou no parto, por isso a importância da realização do acompanhamento médico pré-natal. A hepatite C geralmente é transmitida pelo contato com sangue, sendo os usuários de drogas injetáveis que compartilham agulhas os indivíduos de maior risco atualmente.
Elas também são diferentes em sua evolução, podendo ser aguda (A) ou crônica (B e C). Com raros casos de complicações, a hepatite A normalmente evolui para um quadro de cura. “Dentre os pacientes com hepatites B ou C, alguns podem evoluir para cura, quando o organismo produz anticorpos que conseguem eliminar os vírus. Nos casos em que o vírus persiste no organismo e perpetua a inflamação, é necessário o tratamento medicamentoso”, registra o hepatologista.
“Com os medicamentos mais modernos, há um excelente controle nos casos de infecção crônica pelo vírus B e uma taxa muito elevada de cura (até 95% dos casos) nos pacientes com hepatite crônica pelo vírus C”, salienta Osvaldo Couto, que alerta para o aumento da incidência no Estado. “Em 2023, Minas Gerais registrou 1.095 casos de hepatite C, e em 2024 o número aumentou para 1.241”, destaca. O crescimento no número de casos de hepatite C está relacionado à transmissão por relações sexuais, segundo Couto.
Fonte: Paulo Henrique Silva-O Tempo