O pouso de um avião cargueiro russo no Aeroporto Internacional de Brasília no domingo (10) tem despertado curiosidade, desconfiança e questionamentos políticos. A aeronave, modelo Ilyushin IL-76, é operada pela empresa Aviacon Zitotrans, incluída em 2023 na lista de sanções dos Estados Unidos por transportar cargas suspeitas para a Venezuela. Desde a chegada, o voo permanece cercado de mistério, com informações restritas e movimentações observadas de longe por funcionários, passageiros e entusiastas da aviação.
Logo após aterrissar, o cargueiro foi deslocado para a Base Aérea de Brasília, onde ficou isolado por árvores, mas com parte da cauda, de quase 15 metros, visível a distância. A presença do avião atraiu observadores. “O avião é lindo, enorme. Tem um barulho diferente”, relatou um funcionário do aeroporto que trabalha há mais de seis anos no local. Apaixonados por aviação também mantiveram vigília no terminal. “Estou aqui desde segunda-feira, esperando para fotografar”, disse David Silva, plane spotter.
A chegada da aeronave, no entanto, gerou críticas no meio político. “Nenhuma belonave ou aeronave, nenhum equipamento militar pode estar presente no Brasil sem autorização do Congresso Nacional. E nós não recebemos nenhuma informação do governo, ficamos sabendo pela imprensa”, afirmou o deputado federal general Girão (PL-RN). O senador Bittar (União-AC) reforçou a cobrança: “A população brasileira tem o direito de saber, com total clareza, qual a natureza da carga transportada, quem são os tripulantes e qual a missão que essa aeronave veio cumprir em nosso território. A soberania e a segurança nacional exigem respostas imediatas, especialmente quando o governo parece criar, deliberadamente, atritos com nações parceiras”.
A Anac informou que a última autorização de operação não regular concedida à Aviacon Zitotrans expirou em abril de 2023, sem renovação. Questionada, a Força Aérea Brasileira (FAB) confirmou a passagem da aeronave, mas não forneceu dados sobre carga ou tripulação. A Inframerica, concessionária do aeroporto, também direcionou informações à FAB. A reportagem apurou que não houve registro de carga no Terminal de Logística, mas não está descartada a possibilidade de movimentações realizadas diretamente pela FAB.
O avião IL-76 pode transportar até 60 toneladas e acomodar 145 soldados. Segundo registros do flightradar24, a aeronave saiu de Moscou em 7 de agosto, com paradas em Baku (Azerbaijão), Argel (Argélia) e Conacri (Guiné), até chegar a Brasília às 8h12 do dia 10. Diferente das paradas anteriores, quando permaneceu menos de 24 horas em solo, no Brasil a aeronave ficou três dias.
Durante a permanência em Brasília, integrantes da FAB foram abordados, mas se limitaram a dizer: “Não é sigilo, mas não podemos falar sobre ele”. O abastecimento do cargueiro também gerou dúvidas. No caso de visita semelhante em 2024, o avião do chanceler russo Sergey Lavrov chegou a ter o fornecimento de combustível negado, antes de ser atendido pela Jetfly Combustíveis, que posteriormente sofreu restrições dos EUA. Desta vez, o Il-76 teria sido abastecido pela BR Aviation, informação não confirmada.
Na quarta-feira (13), às 19h16, o cargueiro decolou da Base Aérea de Brasília com destino à Bolívia. O episódio ocorre um dia após a ligação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para Vladimir Putin, na qual trataram de temas internacionais e da cooperação no Brics. A situação também remete ao caso de 2023, quando o governo brasileiro autorizou a atracação de dois navios militares iranianos, gerando desgaste diplomático com os Estados Unidos.
No Senado, requerimentos de informação foram protocolados para cobrar explicações dos Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores. O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, era esperado em audiência da Comissão de Relações Exteriores nesta quarta (14), mas cancelou sua participação, o que aumentou as especulações sobre o tema.
A passagem do cargueiro russo em Brasília expôs tanto a curiosidade de entusiastas quanto a insatisfação de parlamentares. Com informações oficiais limitadas e a ausência de esclarecimentos do governo federal, o episódio segue envolto em mistério, levantando questionamentos sobre soberania, transparência e as implicações diplomáticas para o Brasil.
Com informações da Gazeta do Povo