A valorização do dólar frente ao real poderá ter impacto nos próximos reajustes das contas de luz em todo o país. Na Cemig, a correção ocorre em abril do ano que vem. A contaminação da tarifa pela crise financeira mundial que varre o planeta ocorre porque as distribuidoras das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste compram a energia produzida em Itaipu, cujo megawatt/hora (MW/h) é cotado em dólares. ?Se o dólar ficar acima de R$ 2,30, o aumento de custos das empresas terá que ser repassado ao consumidor?, sustenta um analista de investimentos do setor de energia de um grande banco brasileiro, que prefere não se identificar.
Na prática, as distribuidoras trabalham o reajuste com base numa determinada cotação do câmbio, R$ 2 por exemplo. Para que os preços de Itaipu não pressionem a tarifa para cima, ao longo do ano, a variação da moeda americana, com base no câmbio estabelecido, deve ser nula. Quando o dólar cai, isso se reflete em uma menor pressão nos custos das empresas e, em conseqüência, na tarifa que chega ao consumidor. Quando a moeda americana sobe, acontece exatamente o contrário. As distribuidoras pagam a energia comprada em Itaipu de acordo com a cotação do dia. A variação de preços, para mais ou para menos, é acumulada numa conta de débito e crédito compensada ao final de 12 meses. Mas, como essa conta é feita mês e mês, e a oscilação da do dólar tem sido grande, ainda não dá para se ter idéia de qual será o seu peso no bolso do consumidor no reajuste do ano que vem.
?A despesa das distribuidoras com Itaipu vai aumentar e é ela que chega ao bolso do consumidor?, explica o presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia (Abrage), Flávio Neiva. Segundo ele, a dívida em dólares das concessionárias não chega à tarifa, porque não é considerada aumento custos da empresa. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) determina que os reajustes levem em conta os custos gerenciáveis e os não-gerenciáveis pelas companhias. A energia comprada de Itaipu faz parte do segundo caso. Quando o dólar sobe, o custo dessa energia fica automaticamente mais elevado.
Para se ter uma idéia, de março de 1998 a março 2003, a tarifa de energia da Cemig subiu 93% ante um avanço de apenas 52% no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Isso ocorreu porque, no período, enquanto o IGP-M ficou em 95%, o câmbio subiu 195%. Como o dólar subiu mais do que o índice, o reajuste de energia também ficou mais alto. Se a variação do preço de Itaipu tivesse ficado no mesmo patamar que a do IGP-M, a tarifa ao consumidor final da Cemig teria aumentado apenas 56% nesses cinco anos, e não 93% como aconteceu de fato.
Na crise atual, segundo Walter Froes, diretor-executivo da CMU Comercializadora de Energia, as distribuidoras vão sentir o gosto amargo do avanço do dólar. ?A compra da energia de Itaipu pelas distribuidoras é compulsória. Quando o dólar está baixo, é uma maravilha. Quando aumenta, elas arcam com os custos?, diz. Cada megawatt/hora (MWh) comprado de Itaipu custa US$ 46 ? ou R$ 106,72 na cotação de sexta-feira (1 dólar = R$ 2,32). Só para comparar, a mesma quantidade de energia foi acertada a R$ 78,87 no leilão da Usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, em dezembro de 2007. Naquele mês, o valor do MWh de Santo Antônio correspondia ao preço da mesma quantidade de energia em Itaipu. Hoje o MWh de Itaipu está R$ 27,85 mais caro do que o que será comercializado em Santo Antônio.
?Se houver impacto na conta de energia, ele só ocorrerá em abril do ano que vem. Esse impacto pode parecer alto agora, mas daqui a 30 ou 60 dias a situação pode ser diferente, conforme o comportamento do dólar?, observa o presidente do Conselho de Consumidores da Cemig, Emílio Ludovico Neumann. ?Uma baixa futura pode compensar a alta de agora?, justifica. Para o analista de investimentos que apareceu no início dessa reportagem, contudo, a pressão do dólar na tarifa não deve ser um ponto de preocupação nesse momento. ?O câmbio não parece muito decidido?, afirma.

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