A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou nesta terça-feira (27) novas regras para alimentação de atletas que, entre outras medidas, libera a comercialização de suplementos de creatina e de cafeína no país. Até a edição da nova portaria, que será publicada até a próxima segunda-feira (3), essas substâncias eram comercializadas irregularmente para atividades de alto rendimento.
A Anvisa, no entanto, não recomenda o uso desses suplementos por praticantes de exercícios físicos para recreação, estética e promoção da saúde. Segundo a diretora da Agência, Maria Cecília Brito, os chamados atletas de fim de semana não necessitam de grande explosão física. ?Uma dieta balanceada, diversificada é suficiente para atender as necessidades nutricionais destas pessoas?, afirma Maria Cecília.
A diretora da Anvisa justificou a liberação argumentando que a proibição vigorava até hoje por conta da falta de estudos sobre o efeito dessas substâncias na saúde do atleta. ?Não se tinha segurança sobre o uso dessas substâncias. Até hoje, os produtos que tinham no mercado eram todos clandestinos. A partir de agora, com os estudos que foram feitos, eles podem ser comercializados?, garantiu Maria Cecília.
O rótulo das embalagens de suplementos de creatina terão que apresentar duas mensagens: ?O consumo de creatina acima de 3g ao dia pode ser prejudicial à saúde? e ?Este produto não deve ser consumido por crianças, gestantes, idosos e portadores de enfermidades?. As empresas também terão que imprimir a mensagem: ?Este produto não substitui uma alimentação equilibrada e seu consumo deve ser orientado por nutricionista ou médico?.
Pelas novas regras, foram retirados da classe de alimentos destinados a esportistas de alto rendimento os aminoácidos de cadeia ramificada ? conhecidos como o suplemento BCAA, por exemplo. A justificativa para o veto aos aminoácidos da cadeia ramificada é a constatação da Anvisa de que, apesar de não representar risco à saúde, esse composto não cumpria o efeito prometido do fornecimento de energia. As empresas terão 18 meses para se adequar às novas regras.
Novas aplicações no futuro
O Brasil era o último país do mundo que ainda não havia liberado a comercialização de suplementos de creatina, afirma Bruno Gualano, do Laboratório de Nutrição Experimental e Metabolismo Aplicados à Atividade Motora da Escola de Educação Física e Esporte da USP e pesquisador do Laboratório de Avaliação e Condicionamento em Reumatologia do Hospital das Clínicas.
Em sua avaliação, a liberação anunciada pela Anvisa é ?extremamente positiva? e abre caminho para, algum dia, a substância ser usada pela população em geral, e por idosos especialmente, até mesmo mais do que em atletas. ?Em termos de segurança, eu diria isso com tranquilidade. Ela não é uma substância salvadora, mas seus efeitos terapêuticos são extremamente promissores, por mais que a creatina tenha sido ?maltratada? nos últimos anos?, disse.
Nada a ver com doping
?É preciso deixar claro que creatina não tem nada a ver com doping. Ela é encontrada em alimentos tão comuns quanto carne, e o ser humano possui enzimas que processam essa substância. Em uma população como a brasileira, que consome muita carne, todos seriam tecnicamente dopados?, pondera Gualano, que pesquisa o tema há nove anos.
?A creatina tem um potencial terapêutico imenso e não há risco adverso. O maior efeito é ganho de peso corporal. Tudo mais, podemos dizer, é lenda.? A principal objeção que alguns especialistas apontam em relação ao consumo de creatina é um suposto efeito prejudicial sobre as funções renais. ?Nós já elaboramos uma série de trabalhos apontando que a creatina não prejudica a função renal?, afirma Gualano. ?Mesmo em alguns casos de distrofia muscular já pesquisados há efeitos benéficos comprovados?, afirma Bruno Gualano.
Diabetes e memória
Gualano vai mais longe, e explica que pesquisas atuais avaliam o uso de creatina no tratamento de diabéticos. ?Ela melhora o controle metabólico em caso de diabetes. Aumenta proteína para colocar açúcar do sangue para dentro do músculo. É similar à metformina, o medicamento antidiabetes mais empregado?. Há estudos também, ainda segundo Gualano, para aferir efeitos da creatina no campo da cognição em geral, melhorando memória e aprendizagem.
Para o especialista ? que enfatiza não ter nenhum vínculo com laboratórios que comercializam a creatina ? há preconceito contra o substrato energético porque a creatina é barata e não patenteável, o que desestimula a proliferação de pesquisas sobre seus efeitos. ?A proibição que vigorava até hoje agravava essa situação, porque os comitês de ética das universidades não se sentiam confortáveis em autorizar pesquisas. O Brasil era o único que proibia. A França chegou a proibir por algum tempo com base em argumentos de baixa qualidade científica?, concluiu.

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