Por razões diversas, apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL) apontam esta como a eleição mais importante da história da democracia brasileira. Outras iguais ou mais relevantes podem ter acontecido, como a primeira eleição direta após décadas de ditadura militar.

Não há dúvida, porém, de que a atual disputa tem uma carga de tensão poucas vezes vista na história do país. Marcada pela forte polarização e por episódios de violência, a disputa que se trava nas urnas neste domingo tende a gerar uma consequência óbvia para quem quer que seja eleito: um país profundamente dividido para governar.

Soma-se a essa carga de tensão uma indefinição atualmente mostrada nos levantamentos de intenções de voto, sobre a conclusão em primeiro ou em segundo turno. Em vantagem nas pesquisas, Lula batalhou na última semana pelo voto útil, enquanto Bolsonaro contou não apenas com a resiliência de seus eleitores, mas também com a fé de que o mesmo acontecerá com aqueles que escolheram outros nomes, como Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).

Após idas e vindas e sem conseguir construir uma candidatura de consenso, a terceira via, ao fim e ao cabo de meses de debates, pode decidir a eleição, mas sem qualquer chance de vencê-la. Se os levantamentos estiverem certos, serão os eleitores dos demais candidatos que decidirão se teremos mais quatro semanas de campanha e de um debate ainda mais direto entre Lula e Bolsonaro.

Trajetória

Chegar até aqui não foi tarefa fácil nem para o petista, nem para o atual presidente. O primeiro enfrentou um longo caminho jurídico que se iniciou antes das eleições de 2018, quando foi condenado e preso pela Lava Jato, acusado de corrupção. Lula passou 580 dias no cárcere, foi proibido de disputar as eleições de 2018 e, mesmo solto após a revogação da prisão em segunda instância, permaneceu sem direitos políticos até 2021.

No dia 8 de março daquele ano, a condenação que pesava contra o ex-presidente foi anulada pelo ministro Edson Fachin, que considerou que o foro em que foi julgado, a 13ª Vara Federal de Curitiba, não era competente para tal. Alguns dias depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) não apenas referendaria tal decisão, como também consideraria o ex-juiz Sergio Moro suspeito, derrubando todas as outras ações judiciais que pesavam sobre o petista. Dali para a frente, Lula sempre foi favorito para ganhar as eleições.

Bolsonaro enfrentou menos dissabores, mas igualmente correu riscos de não chegar até a eleição. Durante grande parte de seu governo, foi alvo de uma forte campanha por sua queda. Foi ameaçado por mais de uma centena de pedidos de impeachment e viveu uma relação perigosa e conflituosa com a Câmara dos Deputados na primeira parte de seu mandato.

Perdeu ministros importantes e até então populares, como Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro, em meio a uma pandemia que devastou o país e corroeu sua popularidade. Para não perder o cargo, acabou rendendo-se a uma aliança com o centrão, elegendo Arthur Lira para a função que o protegeria até hoje de qualquer avanço de um impedimento.

Ainda assim, balançou ao desafiar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), sobretudo, nos atos do 7 de Setembro de 2021. Partidos de centro acenaram com sua derrubada, e o antecessor Michel Temer (MDB) foi chamado às pressas para costurar um acordo.

Hoje, Lula e Bolsonaro chegam às urnas calejados. As críticas a um ou a outro não pegam mais em seus eleitores, cujos votos se cristalizaram ao longo dos últimos anos. Assim, sabe-se que vencerá aquele que conseguir mais acenos ao brasileiro de centro e a eleitores que resistiram o quanto puderam a uma polarização que varreu o Brasil.
Após meses de campanha, reforçou-se o que já havia ficado claro com Lula nas últimas décadas e com Bolsonaro nos últimos anos. São dois líderes extremamente populares, que movimentam paixões e transformam milhões de eleitores em torcedores.

Entre amores e ódios, Lula e Bolsonaro transformaram-se em figuras que povoarão qualquer narrativa sobre a história do Brasil no início deste século. Suas falas e gestos são capazes de determinar como numerosos grupos vão se comportar e colocam sobre os ombros dos dois uma responsabilidade única pelos movimentos que representam.

Em uma eleição transformada em batalha, faz muita diferença como eles agiram, agem e agirão. Afinal, a disputa feroz deixou até mortos. Um em Foz do Iguaçu, outro em Cuiabá, um em Rio do Sul (SC), outro em Cascavel (CE). Houve tiros em igrejas, drones jogando produtos químicos, trocas de socos e disparos contra caravanas. Até grávida e pessoa com deficiência visual apanhando por expressar posições políticas ou fazer campanha para um candidato. Algo bastante fora da curva mesmo para um país que viu a barbárie de um atentado contra um candidato – o próprio Bolsonaro – na disputa eleitoral de 2018.

O nível das tensões dá a real noção do que podemos esperar para um eventual segundo turno ou na relação entre governo e oposição caso a eleição seja concluída na primeira etapa.

Seja qual for a definição das urnas, o eleitor é soberano, a despeito das ruidosas contestações sobre um sistema eleitoral que já elegeu políticos de diversas tonalidades políticas ao longo da história – incluindo os dois que disputam agora. Eis um desafio que a sociedade e o eleito, seja ele qual for, certamente deverão começar a enfrentar: o país que já se dividiu tantas vezes precisará discutir no que pode se unir.

Fonte: O Tempo

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