Uma das instituições de maior tradição do país, o centenário Clube Atlético Mineiro, começou a ter sua história mudada em 15 de dezembro de 1994. Foi quando, em uma eleição democrática, chegava à presidência Paulo Cury, dando oficialmente início a um pesadelo que, 15 anos depois, está longe de acabar.
Pelo menos é esta a projeção feita por um cidadão que, num universo de 467 conselheiros, tem sido uma voz ouvida por poucos neste período. Trata-se do belorizontino de nascimento e formiguense de coração Manfredo Palhares, de 72 anos de idade, grande parte deles dedicado ao Atlético, do qual é conselheiro há 20 anos, estando no seleto grupo dos Beneméritos.
Manfredo já foi tema de uma série de matérias publicadas pelo jornal Nova Imprensa entre 2005 e 2006, nas quais denunciou, munido de vasta documentação, negociatas que endividaram o Galo com empresas e personagens que foram acusadas de participar de esquemas grandiosos, como o famoso caso ?Mensalão?.
Depois disso, Manfredo continuou sua luta. Ganhou espaço em grandes mídias, como a Rede Record e na ESPN Brasil, no programa do jornalista Juca Kfouri, além de jornais como o Edição do Brasil. Sempre demonstrou sua indignação de atleticano ferrenho, tentando alertar à torcida alvinegra que o Galo vem sendo (como ele próprio diz em alto e bom som) roubado por quadrilhas ao longo dos últimos anos.
Para entender toda a via sacra da dívida atleticana, o Nova Imprensa inicia uma série dividida em 5 capítulos, nos quais o conselheiro explica ? e tenta se fazer entender ? passo a passo o buraco no qual se enfiou o Atlético Mineiro. ?Venho por obrigação estatutária, como torcedor apaixonado, investigar o clube para o torcedor. Em algumas vezes, fui mal compreendido por agredir muito o que estavam fazendo com o Atlético. Os anos se passaram e nós estamos vendo o que tem acontecido nesses últimos 15 anos. Ganhamos apenas quatro campeonatos mineiros e muitas e muitas dívidas originadas de corrupção e roubo. Essa mazela e corrupção começa na administração Paulo Cury?, aponta Palhares.
De acordo com o conselheiro, a eleição que colocou Cury na presidência, em 1994, foi democrática, na qual o próprio conselheiro informa ter apoiado o então presidente eleito. ?Apoiei o Paulo Cury, pois o conhecia desde a época das categorias de base, ele jogava nos aspirantes do Atlético. Porém, com o passar do tempo, as coisas foram aparecendo. Não sabia do seu perfil de ?estelionatário?, ?171? nato?, relata Manfredo, que conta quando percebeu que estava sendo ?montada uma quadrilha? dentro do clube. ?No ano de 1996, surge em minhas mãos um cheque no valor de R$1.666 dado à Justiça para pagar um estelionato do Paulo Cury ao BEMGE, de Belo Horizonte. Quando esse cheque chegou a mim, percebi que estava sendo montada uma quadrilha no Atlético, formada pelo seu presidente executivo Paulo Cury, seus assessores Carlos Valadares, Antônio Romano (Mazinho) e outros. Foi ali que começou o desmando. É a turma que caiu de para quedas e elevou em poucos anos uma dívida de R$ 3,6 milhões para R$ 15,9 milhões?, ataca.
O conselheiro aponta que a turma de Paulo Cury tirou proveito da campanha ?Fica Ronaldo?, realizada entre os anos de 1995 e 1996, quando foi elaborado um projeto de vendas de camisas oficiais para que o zagueiro, maior revelação do Atlético na época, continuasse na equipe e não fosse vendido para a Europa. ?O Paulo Cury comprou 18.800 camisas da Umbro para vender a R$ 50 cada uma, para que fosse feito um caixa e se pudesse pagar o atleta. Foram vendidas 10 mil camisas a R$50. Essa quadrilha vendeu as outras 8 mil camisas ao preço de R$ 20 para o grupo Elmo. Cada unidade dessas camisas custou aos cofres atleticanos R$27,78. Isso significa que só nestas camisas, o Atlético perdeu a importância de R$ 56 mil, sem falar que do dinheiro das vendas não entrou um centavo para o cofre do clube. Quando tivemos que pagar as 18 mil camisas para a Umbro, outra fornecedora, a Penalty, que seria a nova patrocinadora, entrou e pagou a Umbro?, denunciou Palhares, que diz que a renda de outros projetos como o ?Disk Cemig? e ?Disk Telemig? nunca foi revertida em prol do clube. ?Vendas de jogadores, patrocínios… Tudo sumiu na era Paulo Cury?, completou.
A grande irritação de Manfredo é que, na época, ele denunciou todos esses supostos esquemas ao Conselho Deliberativo do clube, que sempre fez vistas grossas. Um dos projetos mais investigados e denunciados por Manfredo foi o Vila Acqua Park, um luxuoso parque aquático com piscina de ondas e complexos de campos de futebol e quadras poliesportivas, que não caiu no gosto popular. ?O Conselho não tomou nenhuma atitude e, até hoje, o Atlético tem uma dívida astronômica com a construtora que criou o Vila Acqua Park?, informa.
No entanto, o acontecimento chave que deu início para a bola de neve que se configuraria a dívida atleticana nos anos seguintes se deve ao fato de Paulo Cury ter iniciado negociatas com os bancos Rural e BMG, que se infiltrariam poucos anos depois no Atlético, através dos presidentes Nélio Brant e Ricardo Guimarães. ?O Paulo Cury recorreu ao BMG e ao Rural e fez empréstimos pessoais ao Atlético, com emissão dele e avalizado por terceiros. O Rural e BMG, futuros algozes do clube, protestaram no Atlético a importância de R$ 300 mil. Depois, quando o Cury foi afastado pela Justiça, em 1998, os grupos BMG e Rural entraram no Atlético, sabendo que o clube era dependente de situação financeira caótica. Eles assumiram e começaram a investir dinheiro no clube?, conta Manfredo, que acredita que a ?menina dos olhos? dos investidores sempre foi o Shopping Diamond Mall, de propriedade do Atlético, localizado na região comercial mais valorizada de Belo Horizonte. ?Todo o interesse dessa gente, desde a época do Paulo Cury, era negociar o shopping. A cobiça dos investidores e dos banqueiros sempre foi muito grande. Eles passaram a investir no clube para amanhã tomar o Diamond?, projeta o conselheiro.
Manfredo relaciona o enfraquecimento do clube nas quatro linhas à turbulência extra campo. ?O Atlético não ganhou mais coisa alguma, é apenas um mero participante?, afirma o conselheiro, que citou outros nomes que marcaram a era Paulo Cury. ?Na gestão, o presidente do Conselho Deliberativo era o Cecivaldo Bentes (Tite) e o vice era o Aníbal Goulart, dois grandes atleticanos. O Arthur Álvares era do Conselho Fiscal e o Luiz Mário Jacaré fez uma administração caótica no Vila Acqua Park. A Justiça interviu na época?.
Mesmo com todas as credenciais de mau administrador, Manfredo diz que, diante do que estaria por vir nos anos seguintes, Paulo Cury não passa de um ?pivete?. ?Não vou jogar o fardo apenas em cima dele (Cury). Ele foi mal assessorado. Eu o qualifico como estelionatário. Mas nos próximos capítulos, o torcedor vai ver que ele é apenas um pivete, um trombadinha em relação às coisas que os outros presidentes seguintes fizeram?, relata Palhares, que se diz triste pelo fato de Paulo Cury, atualmente, ser do grupo dos Grandes Beneméritos do Conselho do clube: ?Como se ele tivesse feito alguma grande coisa pelo Atlético. Ele foi um agiota, um estuprador do Galo e fez coisas absurdas. O Atlético tem sido como Brasília: lá rouba-se e se reza junto?, finaliza.