Há cerca de 50 anos as famílias brasileiras, na grande maioria vivendo na zona rural ou mesmo em cidades pequenas, moíam o seu café, descascavam o arroz, coziam os pães, abatiam e cozinhavam as carnes (de galinha, de boi, de porco, etc.), tiravam o leite da vaca, etc. Nas cidades, o leiteiro passava de casa em casa entregando o leite vindo diretamente das fazendas e os consumidores iam ao açougue comprar carne de boi abatido nos fundos do próprio açougue.
Então começou a prosperar a agroindústria, foram implantadas regulamentações para produção de alimentos e criados mecanismos de fiscalização governamentais, sendo divulgado que os produtos produzidos desta forma eram mais saudáveis para o consumidor, pois passavam por rigoroso controle de higiene.
O abate de boi em açougues, por exemplo, foi proibido e somente poderia ser realizado em frigoríficos credenciados e homologados pelas Secretarias de Agricultura.
Neste contexto, no dia 17 de março deste ano a Polícia Federal deflagrou a “Operação Carne Fraca”, para combater o envolvimento de técnicos do Ministério da Agricultura em um esquema de liberação irregular de licenças para frigoríficos. Entre as empresas investigadas estão alguns dos maiores frigoríficos do país. Houve a decretação de prisões de executivos das empresas envolvidas. Foram cumpridos 309 mandados judiciais em sete Estados e no Distrito Federal, sendo 26 mandados de prisão preventiva, 11 mandados de prisão temporárias e 79 conduções coercitivas.
De acordo com a Polícia Federal, a operação foi realizada em 2 anos de investigações e detectou que as Superintendências Regionais do Ministério da Pesca e Agricultura do Estado do Paraná, Minas Gerais e Goiás atuavam diretamente para proteger grupos empresariais, em detrimento do interesse público.
As investigações foram suficientes para enquadrar os acusados em crimes de adulteração de produtos alimentícios, associação criminosa, peculato, concussão, corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
As poucas gravações telefônicas divulgadas mostram que vários frigoríficos vendiam carne estragada, com uso de carne proibida em lotes de linguiça, comercialização de produtos fora da validade, uso de produtos químicos para atenuar o odor da carne, injeção de água na carne para aumentar o peso, troca das etiquetas das datas de validade dos produtos – carne estragada era comercializada como se estivesse dentro do prazo de validade.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) divulgou nota dizendo que os produtos brasileiros são fiscalizados internamente e também por técnicos sanitários de 160 países. Finaliza dizendo que falhas são exceções e não refletem todo o trabalho desenvolvido pelo setor. A ABPA afirma que todos os problemas detectados serão rapidamente corrigidos e serão intensificados os cuidados com a qualidade dos produtos.
Também, as empresas envolvidas vieram a público, através de diversos canais da mídia, manifestarem o seu apoio às investigações e declararam possuírem diversas certificações, nacionais e internacionais, adotarem rigorosos padrões de qualidade, e que não corroboram com quaisquer práticas comerciais lesivas aos interesses dos consumidores, seja na produção ou na comercialização.
Acontece que o estrago à imagem do setor de frigoríficos do Brasil foi grande e demorará bastante tempo para se refazer a sua reputação.
O Ministério da Agricultura determinou o afastamento de todos os servidores envolvidos no esquema e está em alerta diante de possíveis embargos à carne produzida no Brasil, que é o maior exportador mundial de carne bovina e de frango, e prepara notas técnicas, diante dos pedidos de explicações de países consumidores, como da União Europeia, Estados Unidos, China, etc. Ao mesmo tempo o governo ressaltou que o Serviço de Inspeção Federal é eficiente, rigoroso e tem um quadro de 2.300 servidores.
De acordo com os EUA, os seus consumidores foram informados que todas as importações brasileiras são inspecionadas por agentes federais, para proteger o suprimento de alimentos do país.
Enfim, quem esperava uma semana explosiva, com a divulgação da lista de Janot de políticos apontados pela Odebrecht, na “Operação Lava Jato”, foi surpreendido pela lista de empresas envolvidas na “Operação Carne Fraca”.
Os consumidores, assustados com as notícias de adulteração de produtos, descobriram que o melhor fiscal da qualidade dos produtos são os próprios olhos e foram à busca de lojas de carne de espécies recentemente abatidas, pois não podem acreditar em carnes embaladas, com data de validade e selos de qualidade do Serviço de Inspeção Federal (SIF).
Enquanto isto, a economia, já fragilizada com a recessão, vive fustigada pelas corrupções detectadas nas Operações Lava-Jato e agora Carne Fraca, que causam a destruição das reputações de ícones empresariais brasileiros, sendo exemplo o fato de no recente leilão dos aeroportos de Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre, terem sido arrematados por empresas internacionais e sem a participação costumeira de grandes construtoras nacionais, muitas envolvidas na “Operação Lava-Jato”.