O ponteiro do relógio se aproximava das 18h quando dois ônibus executivos estacionaram em uma rua, ao lado da BR-367, na entrada de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, a dois quarteirões da rodoviária. Dos coletivos, desembarcaram grupos de funcionários, enquanto outros trabalhadores, que aguardavam em frente a uma capela funerária, embarcaram para mais uma jornada de trabalho. O movimento, antes incomum para uma região que se ergueu das mãos de seu povo – fosse nas áreas de produção agrícola ou na confecção de peças de artesanato –, tornou-se rotina para os quase 35 mil araçuaienses.
“Se você passar ali perto da rodoviária todo dia, entre 17h, 17h30, 18h, vai ver o tanto de ônibus com gente chegando e saindo, eles trabalham 24 horas”, indica o bispo de Araçuaí, dom Geraldo dos Reis Maia. Desse trecho e de outros endereços da cidade, dezenas de moradores partem, diariamente, ao trabalho nas mineradoras e em empresas ligadas à extração de lítio no município. Historicamente fora da rota dos investimentos privados – e, por vezes, dos públicos –, o Vale do Jequitinhonha começa a despontar no mapa econômico em Minas Gerais em função do protagonismo geográfico para a exploração do mineral que é peça-chave para a indústria de carros elétricos e híbridos.
O local tem o maior potencial para a exploração de lítio do país, com cerca de 45 depósitos do mineral na região, concentrando aproximadamente 85% das reservas nacionais desse mineral, segundo dados recentes do Serviço Geológico do Brasil (SGB). O volume chama a atenção de empresas, que, entre 2025 e 2029, planejam investir mais de R$ 5 bilhões para exploração do mineral, classificado como estratégico no cenário de transição energética mundial.
O cálculo é do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Os aportes estão previstos para serem feitos em Araçuaí e Itinga, no Vale do Jequitinhonha. Haverá, ainda, investimentos em Salinas, no Norte de Minas, e em Nazareno, no Campo das Vertentes, onde também há reservas de lítio. Atualmente, a Sigma Lithium e a Companhia Brasileira do Lítio (CBL) mantêm operações em andamento em Araçuaí, enquanto a AMG Brasil concentra as atividades em Nazareno.
“E temos mais uns cinco projetos, efetivamente, já fazendo as sondagens para poder entrar em produção”, sinaliza o diretor de assuntos minerários do Ibram, Júlio Nery. O diretor de atração de investimentos da Invest Minas, Ronaldo Barquette, diz que, com o boom de investimentos, a busca é por um desenvolvimento local que não fique restrito à exploração de lítio. A agência é responsável pela promoção de investimentos no Estado e foi quem criou, em 2023, a expressão “Vale do Lítio”, propaganda para atrair novas empresas para a região.
“O Vale do Jequitinhonha é a região do Estado em que mais se abrem empresas, segundo a Jucemg. Nós queremos desenvolver, agora, o serviço no entorno dos projetos que estão em implantação e em desenvolvimento e agregar valor ao lítio na região. Não queremos só extrair, queremos fazer o processamento local das partes da cadeia que for possível. É uma cadeia muito complexa, porque, a cada passo dela, demanda-se um recurso financeiro muito grande. Mas, logicamente, o valor do produto também aumenta”, projeta o diretor da Invest Minas.
Dados da Secretaria de Estado de Fazenda (SEF) e do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) mostram que já houve crescimento de 39,4% na arrecadação de Imposto Sobre Serviços (ISS) e de 12% no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nos 17 municípios elencados pelo governo como prioritários para a mineração de lítio.
Decreto facilitou atuação do setor
O impulso para a expansão dos investimentos em reservas de lítio foi dado em 2022, com a publicação de um decreto pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). À época, o texto, publicado no “Diário Oficial da União” (“DOU”), permitiu a importação e exportação de lítio e derivados. A regra garantiu que as operações não seriam sujeitas a “critérios, restrições, limites ou condicionantes de qualquer natureza”. O instrumento revogou decretos anteriores que condicionavam o comércio exterior do lítio à autorização prévia de órgãos do governo, como a Comissão Nacional de Energia Nuclear. Com a publicação do texto, o governo projetou, em 2022, que o Brasil receberia R$ 15 bilhões em investimentos em operações de lítio até 2030.
Instalações futuras
Entre as empresas que preparam o início das atividades está a Atlas Lithium, que está com processo de licenciamento em tramitação junto à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam). O projeto da mineradora, com sede nos Estados Unidos, mira uma reserva de mais de 100 milhões de toneladas do mineral, localizada na Área de Proteção Ambiental (APA) Chapada do Lagoão, que abrange territórios de Araçuaí, Caraí, Itinga e outros municípios da região.

Operação da Atlas ainda depende de licenciamento, mas já há movimentações na Chapada do Lagoão – Foto: Fred Magno / O TEMPO
O projeto da Atlas prevê a extração de 150 mil toneladas por ano. A extração será feita em lavra a céu aberto. Os rejeitos da operação serão armazenados em pilha seca e reutilizados em cascalhamento e pavimentação de trechos das vias de acesso à mineradora. A previsão é de que mais de 300 empregos diretos e mais de mil indiretos sejam gerados. “A Atlas reforça o compromisso e a preferência de priorização e capacitação de mão de obra local”, explica o conselheiro da Atlas, Rodrigo Menck.
O aporte da empresa na região é de aproximadamente R$ 750 milhões, inicialmente. A região da APA já tem placas da norte-americana, sinalizando o trânsito de veículos pesados, usados no transporte de trabalhadores que atuam no cercamento de áreas. “A instalação de cercas se faz necessária para delimitar e preservar propriedades no local. A melhoria de estradas existentes faz parte do compromisso e parceria local da Atlas em desenvolver atividades de cunho público e recíproco. Essas atividades não dependem de licenciamento ambiental”, completa Menck.
Operação no Norte
Em Salinas, a previsão é tornar o município um dos dez maiores produtores de lítio do mundo. A projeção é do CEO da Pilbara Minerals (PLS), Dale Henderson. A empresa é responsável pelo projeto Colina, que deve gerar ao menos mil empregos diretos na cidade. A PLS realizou um aporte de aproximadamente R$ 2,1 bilhões para adquirir a Latin Resources, que era responsável pela exploração do mineral na cidade. O empreendimento já possui licença prévia e de instalação, segundo a Feam.
“Os principais objetivos são investir no conhecimento sobre o corpo do minério. Então, estamos começando a perfuração para refinar o plano de desenvolvimento para nos posicionar e desenvolver o projeto rapidamente”, disse Henderson, garantindo que as projeções estão ligadas às reservas do mineral em Salinas. “Esses motivos apoiam a possibilidade de uma mina de longa vida útil e que fica lado a lado com algumas das maiores operações globais. Será um grande fornecedor de lítio por muitos e muitos anos”, assegura o executivo.
Pioneirismo
Há 34 anos atuando na extração de lítio em Araçuaí e Itinga, a Companhia Brasileira do Lítio (CBL) obtém o mineral – vendido a gigantes do mercado, como a BYD – de uma mina subterrânea de 14 km de extensão e mais de 220 m de profundidade. Na extração subterrânea, feita 24 horas por dia, em três turnos, o trabalho é monitorado por microssensores para verificar possíveis movimentações e tremores. Há saídas de emergência em escadas distribuídas pela mina, além de câmaras de refúgio equipadas com água, alimentos de ingestão rápida e telefones.

Atuação na mina é feita, em alguns locais, apenas por máquinas por motivos de segurança – Foto: Fred Magno / O TEMPO
A perfuração das rochas mira os pegmatitos, rochas que contêm o espodumênio, que, entre outros minerais, tem o lítio na sua composição. “Em peso, a cada 100 toneladas que a gente retira do subsolo, 90 toneladas são pegmatitos”, contabiliza o CEO da CBL, Vinícius Alvarenga. Atualmente, conforme o executivo, as duas principais aplicações do material extraído são nas fábricas de baterias e na indústria farmacêutica.
Alvarenga contabiliza que, desde 2020, a operação da CBL saltou de 10 mil toneladas de concentrado de espodumênio ao ano para 50 mil toneladas. Na planta química, a produção de carbonato de lítio equivalente deixou o patamar de 1.000 toneladas e chegou a 2.000 toneladas por ano. Vizinha às operações de mineração da CBL, a Sigma Lithium trabalha com reservas de minério de lítio que chegam a 77 milhões de toneladas na Grota do Cirilo. Há um projeto de expansão em licenciamento junto ao governo do Estado.
Fonte: Gabriel Rodrigues, Nubya Oliveira e Simon Nascimento/ O Tempo