?Para tudo o que eu preciso resolver, dependo de alguém. As pessoas não dão ouvidos a quem não sabe ler, elas humilham a gente. É duro?. Com a voz triste, a doméstica Tina Vicente Marcos, 57, relata assim as dificuldades que enfrenta diariamente por não ter frequentado uma escola. Como Tina, outros mais de 13 milhões de brasileiros analfabetos ? quase 10% deles apenas em Minas ? ainda vivem às margens da sociedade, obrigados a lidar com exclusão e preconceito. Em meio às manifestações populares e a menos de cinco meses para as eleições, o momento, segundo especialistas, é de acordar para o problema, que há décadas é ignorado.
Natural de Ouro Preto, na região Central, Tina vem de família humilde e desde cedo precisou trabalhar para contribuir com o sustento da casa, onde viviam 14 irmãos. ?A vida era difícil, e a gente tinha que ajudar?, lembra.
Hoje, trabalhando em uma república de estudantes da cidade, a doméstica diz que as coisas melhoraram, mas que ainda depende dos outros para ir a um posto de saúde e fazer um telefonema. ?Os meninos me ensinaram muito. Foram corrigindo meus erros e aprendi a conversar. Mas, na hora de assinar meu nome, esqueço as letras, e preciso que alguém me ajude?.
Não muito longe, em Betim, na região metropolitana, Maria dos Anjos Francisca de Jesus, 85, conhece bem essa realidade. O mais difícil para ela, que tem a digital estampada como assinatura na carteira de identidade, é ?conversar direito com as pessoas?. ?Nasci na roça e a vida toda trabalhei capinando. Para quem não sabe ler, sobra o serviço grosseiro?, observa.
Apesar da luta, Maria dos Anjos conta que aprendeu a se virar. Decorava os números de telefone e, na hora de pegar ônibus, pedia para alguém anotar a linha e levava o papel para conseguir identificar os números. Mesmo com pais e irmãos analfabetos, ela fez questão que os nove filhos estudassem. ?A coisa mais importante que tem é a leitura. A pessoa pode até ser fraca, mas tem oportunidade se for estudada?, reconhece.
Hoje, com ?as vistas ruins?, Maria dos Anjos quase não sai de casa. Sentada no sofá, com uma imagem de Jesus no colo, desabafa: ?A coisa que mais tenho inveja é de chegar em um canto, pegar a Bíblia e conseguir ler a palavra de Deus?.
Cenário
Tina e Maria dos Anjos fazem parte do 1,16 milhão de mineiros não alfabetizados. Os números, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), representam uma taxa de 7,4% da população de Minas em 2012 ? a pior do Sudeste ?, levantada pela última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.
?Apesar de esses números darem a impressão de o analfabetismo não ser muito para uma população de 200 milhões, são muitos os que estão excluídas dos seus direitos?, avalia Leiva Leal, doutora em educação e consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Os dados são muito preocupantes, na opinião dela. ?Estamos avançando pouco. Há 20 anos tínhamos 16 milhões de analfabetos, o que significa que o Brasil não alcançou nem 20% de melhorias em duas décadas. Isso é alarmante?, diz a consultora da Unesco.
Incentivos do governo
Bolsas
Em 2003, um projeto de lei criou o Programa de Apoio ao Estudante (PAE), por meio do qual alunos de universidades particulares recebiam bolsas para pagar seus estudos desde que exercessem atividades relacionadas à alfabetização de adultos. Com o tempo, porém, o programa federal perdeu vigor.
Políticas
O principal programa de combate ao analfabetismo no país atualmente é o Brasil Alfabetizado, dirigido a pessoas com 15 anos ou mais ? inclusive idosos ?, não alfabetizadas. O objetivo é, por meio de apoio técnico e financeiro do governo federal aos projetos de Estados e municípios, universalizar a alfabetização e abrir oportunidades de acesso aos demais níveis da educação.
Resultados
O programa Brasil Alfabetizado atendeu cerca de 14,7 milhões de pessoas entre 2003 e 2012, segundo dados do Ministério da Educação.
Tradição
Feito pelo governo do Ceará em 2012, o curta-metragem ?Vida Maria? mostra como o analfabetismo se perpetua nas gerações de uma mesma família, principalmente em áreas rurais.

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