O Brasil debate já há muito tempo e com notória repulsa o instituto denominado “foro por prerrogativa de função”, a que se apelidou de “foro privilegiado”. Verdade seja dita: o apelido reflete melhor o que muitos entendem como uma afronta republicana, especialmente nos limites como hoje se acha referida norma constitucional disponibilizada e alcançada por mais de 54 mil cidadãos brasileiros, ocupantes dos mais variados cargos públicos. Prefeitos, deputados estaduais e federais, governadores, secretários de Estado, juízes estaduais e federais, membros dos Ministérios Públicos estaduais e federal, integrantes do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, desembargadores, ministros dos tribunais superiores, dos tribunais de Contas, ministros de Estado, chefes de missões diplomáticas de caráter permanente, presidente e vice-presidente da República, que cometerem quaisquer crimes, terão seus processos analisados e julgados pelos tribunais, e não pelos juízes de primeira instância.

A norma teria um caráter próprio de justiça, especialmente se se limitasse ao julgamento de atos considerados intrinsecamente ligados ao exercício da função pública. Mas não. Por exemplo, corre em Brasília uma representação policial feita pela esposa do ministro do TSE Admar Gonzaga, na qual alega ter sido vítima de agressão física imposta pelo próprio marido. Sem as considerações públicas que se fazem, condenando tal procedimento do ministro, por que se deveria ocupar o STF para processar tal feito? Uma esposa toma um soco no olho, vai à delegacia de polícia e representa contra o marido agressor, faz exame de corpo de delito; nenhuma dúvida paira sobre o ocorrido, até porque o marido nunca negara sua ação. Tal agressão, devidamente configurada, subirá ao STF, movimentada a Suprema Corte pelo procurador geral da República, que oferecerá a denúncia. Isso é para ilustrar tamanha discrepância, mas o Judiciário está cheio desses fatos, que agridem frontalmente a cidadania. E certamente assim permanecerá.

Na semana passada, no calor da apreciação pelo pleno do STF do “foro privilegiado”, já contados oito votos a favor de sua justa restrição, o ministro Dias Toffoli pediu vista para analisar em separado o referido processo. Pedido semelhante já houvera sido feito por seu colega ministro Alexandre de Moraes, no início de maio passado, resultando num atraso de quase 200 dias no andamento desse julgamento, sem que se acrescentasse qualquer interpretação minimamente relevante à proposta. Nem se esperava, porque é inadmissível que um ministro do STF ainda precise de tempo para construir seu voto, definindo sua posição acerca de um assunto que já exauriu os debates de todos os segmentos da sociedade. Então, ministro Toffoli, com todo o respeito, toma jeito e desembucha. Enrola mais, não.

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