Duas novas análises prenunciam um ano de 2008 com motosserras e tratores a toda na Amazônia. O governo federal divulgou ontem uma estimativa que mostra que o desmatamento cresceu 8% no período de junho a setembro de 2007 em comparação com o mesmo período de 2006.

E dados produzidos por um sistema independente de monitoramento da floresta indicam que um dos pilares da política do governo federal para conter a devastação –as unidades de conservação criadas no Pará– começa a dar sinais de fadiga.

Os dados do governo são estimativas feitas pelo Deter, o sistema de detecção do desmatamento em tempo real por imagens de satélite desenvolvido pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Eles mostram que, na média dos nove Estados amazônicos, o desmatamento em julho, agosto e setembro cresceu 4%, 53% e 107% em comparação com os mesmos meses de 2006, respectivamente. O mês de junho foi o único que apresentou queda –de 33%–, seguindo a tendência do ano anterior.

É um aumento significativo, que mostra um recrudescimento do desmatamento, afirmou à Folha o diretor do Inpe, Gilberto Câmara. Dificilmente a taxa de 2007/2008 ficará na queda observada neste ano, afirmou o cientista, referindo-se aos 30% de desaceleração estimados pelo Deter para 2006 e comemorados pelo Ministério do Meio Ambiente.

Aumentos significativos foram observados em Rondônia, Mato Grosso e Pará. No primeiro Estado, a devastação cresceu acachapantes 602% em setembro, em comparação com setembro do ano passado.

Corte sem reservas

A estimativa independente, feita pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia e divulgada hoje na internet, mostra que no Pará a devastação explodiu nas unidades de conservação criadas pelo governo federal no sul do Estado nos últimos anos para combater a grilagem: 25% do desmatamento no Estado entre agosto de 2006 e julho de 2007 aconteceu em áreas protegidas.

As maiores derrubadas estão justamente na zona de influência da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), onde o governo criou em 2005 um mosaico de reservas de 8 milhões de hectares, tido como um dos maiores trunfos da política de ordenamento fundiário do Ministério do Meio Ambiente.

Também há desmatamentos na região de Carajás e na Terra do Meio, área de conflito fundiário que recebeu unidades de conservação após o assassinato da freira Dorothy Stang, em 2005.

O fenômeno representa uma reversão da tendência histórica do desmatamento: em toda a Amazônia, até julho de 2006, a devastação em áreas protegidas representava em média apenas 1,16% do total.

O padrão de desmatamento em unidades de conservação no Pará é alarmante. Foi uma surpresa para nós, disse Adalberto Veríssimo, do Imazon.

O pesquisador é um dos criadores do SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento), ferramenta que usa imagens de satélite para acompanhar a ação do homem sobre a floresta mês a mês. O sistema, que já é usado para monitorar Mato Grosso há quatro meses, acaba de ser ampliado ao Pará.

O SAD-Pará tem a princípio uma boa notícia para a ministra Marina Silva (Meio Ambiente): o corte raso no Estado caiu 54% em agosto de 2007, se comparado ao mesmo mês do ano passado. Isso destoa do Deter, que aponta um aumento de 59% no Estado nesse mesmo período.

Mesmo essa queda, no entanto, tende a estar superestimada, devido à presença de nuvens que impediram a observação de áreas importantes.

A má notícia é que o fato de que há tantas derrubadas acontecendo em unidades de conservação federais e terras indígenas pode ser um sinal de que os grileiros estão de volta à ativa no Pará, depois de dois anos reprimidos pelo governo.

Segundo Veríssimo, os grileiros estão apostando na impunidade. O governo aumentou sua exposição ao risco quando criou as unidades de conservação em áreas de conflito fundiário [BR-163 e Terra do Meio], mas não conseguiu estabelecer sua presença ali, disse o pesquisador. Uma vez que a maioria das reservas da região ficou apenas no papel, sem implementação efetiva, as áreas foram reinvadidas.

Commodities

A estimular os grileiros está a elevação dos preços das commodities, em especial a carne, o milho e a soja. O mercado desses bens passou dois anos desaquecido, período que viu o desmate cair. O governo teme que o reaquecimento, as eleições municipais do ano que vem e a própria taxa baixa de desmatamento de 2006 tragam junto uma explosão das derrubadas.

O ano de 2008 vai ser quente para nós, disse o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco. Ele diz que os dados do Imazon sobre as unidades de conservação do Pará são algo absolutamente fora da história da Amazônia, e que precisam ser analisados.

Capobianco afirma, no entanto, que ainda não dá para falar de aumento total na taxa de desmatamento de 2007, já que após setembro começa uma redução natural da atividade agrícola devido às chuvas.

O governo está revendo o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e pretende reforçar a fiscalização e o fomento às atividades sustentáveis, além de aumentar a eficiência da arrecadação das multas por crime ambiental.

Francamente, estamos trabalhando com um cenário que não é de catástrofe.

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