osto de 1998. Na tela do cinema, Armageddon anunciava o fim do mundo. Na TV, a minissérie Hilda Furacão atraía todos os olhares. Já no mundo real, Monica Lewinsky contava detalhes do seu caso malresolvido com o então presidente norte-americano Bill Clinton, enquanto, nas ruas do Brasil, muita gente protestava contra a privatização da Telebrás. Nesse cenário, a educação começava a escrever uma nova história, com a criação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Uma década se passou e o teste, que despontava tímido nas páginas dos jornais, chega a 2008 com um aumento estrondoso de popularidade e mudanças radicais no seu objetivo. A procura pelas provas cresceu mais de 2.000% nesse período e, dia 31, cerca de 3,5 milhões de estudantes de escolas públicas e privadas vão fazer o Enem, atualmente uma das principais portas de acesso às universidades.

Criado para ser uma simples ferramenta de avaliação do desempenho de alunos que acabavam de concluir a educação básica, o exame ganhou, ao longo dos anos, status de um concorrido vestibular. Hoje, mais de 600 instituições de ensino superior de todo o país usam o resultado do Enem para preencher suas vagas, sendo 71 delas em Minas Gerais. Mas foi em 2005 que ele se tornou protagonista da grande aposta de democratização do ensino: o Programa Universidade para Todos (ProUni). A nota obtida no teste é um dos critérios usados pelo Ministério da Educação (MEC) para conceder bolsas de estudo em faculdades particulares. Essa iniciativa empurrou de vez o Enem para o sucesso, agora alvo de alunos que estão de olho em um dos quase 120 mil benefícios oferecidos a cada semestre.
A primeira edição do exame contou com a acanhada participação de pouco mais de 157 mil estudantes no Brasil. Entre eles estava Débora Campos Teixeira, na época aluna do 3º ano do ensino médio do Colégio Tiradentes, no Bairro Santa Tereza, na Região Leste de Belo Horizonte. Hoje, aos 27 anos e com um diploma de fonoaudióloga nas mãos, ela se recorda da curiosidade que o teste pioneiro do MEC despertou nos inscritos. ?Lembro-me de que fiquei ansiosa para saber se estava bem preparada para o vestibular e qual matéria precisaria estudar mais. Essa era a única função do Enem, mas tudo me parecia um pouco sem propósito, porque aquele resultado não teria nenhuma utilidade em meu futuro. Os professores incentivaram muito a participação da turma, e o objetivo era apenas avaliar a qualidade do aprendizado da escola. Agora, a história é outra e os alunos têm mais estímulo para fazer a prova?, diz Débora.
Adesão
Desde sua criação, o Enem já avaliou o desempenho de 18,1 milhões de estudantes brasileiros. E os números não deixam dúvidas da semelhança do exame com o vestibular: 72,2% dos alunos que fizeram as provas em 2007 declararam, como principal interesse, o ingresso na faculdade. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao MEC, mostram um cenário completamente diferente de 2004. Um ano antes de o ProUni entrar em vigor, o grande motivo para se submeter ao exame, apontado por 44,6% dos inscritos, era testar conhecimentos e a capacidade de raciocínio. A entrada na universidade aparecia em segundo lugar, com 42,7%.
Prova do aumento da adesão ao teste são os cursinhos preparatórios específicos, conhecidos como pré-Enem. As primeiras vagas foram abertas em 2005 e hoje são disputadas por um número cada vez maior de aspirantes aos benefícios do ProUni. Nas concorridas salas de aula, exemplos como o de Alexandre Santos, de 20, não são raros. Com 65 pontos no último Enem, ele já é bolsista parcial do programa no curso de administração, mas vai fazer novamente a prova para concorrer ao desconto integral na mensalidade. ?Sonho em fazer engenharia elétrica e preciso da bolsa de 100%. Como o Enem não é brincadeira, tive que procurar um curso e estou estudando mais que na época do vestibular?, conta.
Raciocínio
Sua colega Álefe Brite, de 17, foi ainda mais precavida. Antes mesmo de concluir o 3º ano, ela se matriculou nas aulas do pré-Enem. ?A didática das provas é muito diferente. Enquanto o ensino médio e as universidades ainda cobram muita decoreba e fórmulas, o Enem exige mais raciocínio lógico, interpretação de textos e conhecimentos do dia-a-dia?. Thamyres Maria Santos, de 19, passou em administração em faculdade particular, mas não pode pagar mensalidade de R$ 500. ?Estou fazendo o preparatório do Enem para conseguir a bolsa do ProUni?, salienta.
Segundo o coordenador-geral do Enem, Dorivan Ferreira Gomes, um dos principais ganhos proporcionados pelo exame foi a adaptação das escolas ao ensino interdisciplinar. ?Ele foi criado para ajudar na implantação da reforma do nível médio, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A partir de então, a prioridade deixou de ser os conteúdos isolados e o ensino passou a ser contextualizado. O Enem tem crescido porque o seu resultado está sendo usado em programas sociais do governo. Mas não acredito que irá substituir plenamente o vestibular, pois isso dependeria de uma lei federal, que ainda não foi nem sequer discutida?, afirma.

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