Em fórum realizado no Centro Infantil Boldrini, em Campinas (SP), nesta segunda-feira (16), especialistas do mundo todo se reuniram para discutirem o impacto do uso de agrotóxicos sobre a incidência de câncer infantil.

O Brasil, segundo maior país do mundo em área plantada com transgênicos em 2018, com 51,3 milhões de hectares (atrás dos EUA), registra uma morte a cada 2 dias e meio por intoxicação advinda de agrotóxicos agrícolas.

O dado foi apresentado pela professora Larissa Mies Bombardi, doutora em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), que apontou que o nível de contaminação de crianças por uso de agrotóxicos é grave.

Segundo os estudos dela, 343 bebês foram intoxicados em sete anos, em casos notificados. Somados aos casos não notificados, a projeção indica uma possibilidade de 17.150 contaminações de bebês.

“Para cada caso notificado, tem outros 50 alvos não notificados. Do total de pessoas infectadas, 20% são crianças e adolescentes de zero a 19 anos”, explicou a professora.

Larissa Mies Bombardi, professora doutora em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) — Foto: Mirela Von Zuben/G1

O Brasil, que usa 500 mil toneladas de agrotóxicos por ano e liberou o uso de mais 51 agrotóxicos em julho deste ano, registra outro dado alarmante: a intoxicação muitas vezes está relacionada a tentativas de suicídio.

“40% do total de notificações no Brasil são de pessoas que ingeriram agrotóxico para tentar suicídio. Na região Nordeste, como no Ceará e em Pernambuco, esse número chega a 70%”, afirmou Bombardi.

Risco pode vir do útero

O australiano Terence Dwyer, professor de Epidemiologia da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e coordenador do Consórcio do Coorte Internacional do Câncer da Criança (I4C), apresentou durante o fórum dados que expõem também o risco de contaminação das crianças pelo ambiente de trabalho dos pais, que podem vir já do útero.

De acordo com o professor, o risco aumenta de acordo com a idade da criança, que é mais alto até os quatro anos. Além disso, os filhos primogênitos têm maior probabilidade de nascerem com genes que configurem uma pré-disposição ao desenvolvimento do câncer.

“Muitos pais querem respostas: porque os filhos deles desenvolveram câncer? Os doutores não podem dar estas respostas a eles”, disse o australiano.

A apresentação de Dwyer aos brasileiros também mostrou que uma em cada 100 crianças nascem com cromossomos anormais que podem causar câncer. Segundo ele, de dez a 20, em cada 100 mil crianças, desenvolvem câncer hoje.

Boldrini integra consórcio

Silvia Brandalise, presidente do Centro Infantil Boldrini, explicou que o grupo foi convidado a integrar o I4C quando fez um estudo de leucemia em lactentes, mostrando uma associação entre a exposição materna a uma série de pesticidas na gravidez e o aparecimento do câncer na criança.

“Quando você mergulha no que já se provou de substâncias que são tóxicas para o organismo, você fica boquiaberta. O que os estamos vivendo, em um mundo em que se omite uma coisa tão seria e não se faz nada?”, questionou a presidente do Boldrini.

Trabalho em indústrias químicas

O professor Kjeld Schmiegelow, da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca, estudou, sobre um período de quatro décadas, o risco de câncer em crianças que têm pais que trabalham em indústrias químicas, principalmente nas gráficas, de pintura, têxteis e de extração de madeira e papel.

Professor Kjeld Schmiegelow, da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca — Foto: Mirela Von Zuben/G1

Segundo ele, homens e mulheres que trabalharam nestes locais e tiveram filhos com ao menos um ano após a exposição, apresentaram risco aumentado para a incidência de câncer: no sistema nervoso central, no caso de mães e filhos; e leucemia mieloide aguda, em filhos e pais.

“Mesmo que o mecanismo biológico exato por trás das exposições dos pais e a incidência de câncer nas crianças ainda seja incerto, as associações são claras e pedem intervenções legislativas”, pontuou em sua pesquisa.

COMPATILHAR: