A noite silenciosa de Kiev foi interrompida pelo toque das sirenes de ataque aéreo na principal avenida da capital da Ucrânia, e os primeiros mísseis disparados pela Rússia atingiram algumas das maiores cidades do país – Kharkiv, Mariupol e Donetsk. A ofensiva russa impôs um massacre às fronteiras ucranianas, e os militares de Vladimir Putin dominaram a usina nuclear de Chernobyl. A ação por ele coordenada começou com uma autorização para uma operação militar no Leste da Ucrânia no início da madrugada de 24 de fevereiro de 2022; o dia ainda não havia raiado quando o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky pediu calma à população.
Precisamente um ano depois, o cenário pouco mudou: na véspera deste dia 24 (sexta-feira), data que marca o aniversário de um ano da Guerra na Ucrânia, o presidente Vladimir Putin acirrou ainda mais as tensões em um discurso com predomínio de ameaças ao Ocidente e anúncio de um novo míssil nuclear supersônico – dois dias antes, na terça-feira (21), ele suspendeu a participação do país em um acordo bilateral mantido com os Estados Unidos para desarmamento nuclear. Em contrapartida, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky declarou em discurso que o país vencerá a guerra. “Nós superamos muitas provações e vamos triunfar. Vamos responsabilizar todos aqueles que trouxeram este mal, esta guerra, para nossa terra“, afirmou.
Ainda na véspera, a Organização das Nações Unidas (ONU) condenou pela quarta vez a invasão no território ucraniano e votou pela inclusão de um artigo sugerido pelo governo do Brasil, que prevê com urgência a necessidade de “alcançar uma paz abrangente, justa e duradoura na Ucrânia”. O presidente Putin, aliás, disse que analisará a proposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para mediar um acordo de paz entre os países.
Apesar da movimentação brasileira, a guerra na Ucrânia parece distante de uma solução pacífica e novos fatores, um ano depois, são somados ao conflito e contribuem para o acirramento das tensões entre os países, como analisa Mario Schettino, professor no Departamento de Ciências Econômicas da UFMG e no Núcleo de Relações Internacionais do Ibmec.
“O conflito está em relativo impasse. A Rússia tem consolidado seu controle na maior parte dos territórios das duas regiões que reconheceu as independências, Lugansk e Donetsk, e tem mobilizado tropas e equipamentos para avançar sobre todo o território reclamado pelos revoltosos dessas duas regiões“, avalia. “Por sua vez, a Ucrânia realizou contraofensivas importantes desde o segundo semestre do ano passado, retomando cidades fora dessas duas regiões, e, até mesmo, mantendo resistência em torno de Bakhmut, central para consolidação do controle russo no leste ucraniano“, conclui Schettino.
Em meio às mobilizações militares dos dois países, 7.199 pessoas morreram na Ucrânia, e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) contabiliza outros 11.756 feridos. Neste primeiro ano da guerra, 7,7 milhões de refugiados deixaram o território ucraniano.
Um ano após o início do conflito, a Rússia ocupa grande parte do território leste da Ucrânia. As forças de Putin dominam atualmente parcela da cidade de Kherson e as áreas de Luhansk, Donetsk, Mariupol e a Crimeia.
Tensões acirradas e poderio militar russo
Em ida relâmpago à capital Kiev na última segunda-feira (20), o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, reforçou o apoio da nação norte-americana à Ucrânia e declarou que o país fornecerá um pacote de ajuda militar no valor de US$ 500 milhões. Para Schettino, a visita é simbólica e as ações dos Estados Unidos acirram a rivalidade com a Rússia. “O intuito (da visita) é mostrar o apoio dos Estados Unidos e a confiança de que a Ucrânia tem força suficiente para proteger o território da capital a ponto de o presidente dos Estados Unidos poder visitá-lo“, avalia.
O internacionalista alerta que “o impasse no conflito, que foi obtido graças ao apoio da OTAN, possa ser utilizado como um argumento para a negociação pacífica e não para a continuidade da guerra“. “Como está, apenas recebendo financiamento dos países da OTAN, dificilmente a Ucrânia consegue sustentar a sua resistência por muitos anos“, conclui.
Interferência do Brasil
Às vésperas do primeiro ano da Guerra na Ucrânia, o vice-chanceler russo Mikhail Galuzin declarou em entrevista à agência estatal Tass que o governo analisa a proposta feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que prevê a criação de um grupo de países não envolvidos no conflito para mediar uma solução pacífica. A movimentação do petista mantém a diretriz da política adotada pelo governo anterior, tal qual a tradição brasileira nas relações internacionais.
“Brasil passa a agir de forma mais incisiva em um posicionamento que já estava adotando no governo anterior. A posição do Brasil é a mesma: condenar a invasão do território da Ucrânia e propor uma saída negociada e multilateral para o conflito“, esclarece Schettino. “O Brasil tenta manter uma posição de não alinhamento, mas agora com uma posição mais ativa para solução do conflito, com engajamento do presidente da República, que é uma das marcas da política externa dos governos do presidente Lula“, encerra.
Fonte: Itatiaia