Rica em recursos e belezas naturais, a República Democrática do Congo poderia ser a representação de um paraíso tropical em pleno coração da África não fosse a cobiça de países vizinhos e empresas internacionais por ouro, diamante, cobalto, cobre, carvão e coltan (usado na indústria eletrônica). A disputa por minérios envolve a região numa guerra que já deixou cerca de seis milhões de mortos desde 1993. O conflito, praticamente ignorado pela imprensa e a comunidade internacional, é considerado o maior holocausto da história.

As chacinas, estupros e sequestros de mulheres e crianças se tornaram armas de guerra e servem para desestabilizar as comunidades, provocando miséria e ondas de refugiados. Cerca de 80% da população vive abaixo da linha da pobreza, com menos US$1,25 por dia. A guerra no leste do Congo está vinculada aos conflitos étnicos da vizinha Ruanda. No início da década de 1990, milhares de hutus ruandeses buscaram refúgio no leste do Congo temendo perseguições das novas forças tutsis no poder. Entre eles, estavam rebeldes hutus que haviam participado de chacinas em Ruanda. Tropas tutsis invadiram o Congo numa caçada aos rebeldes, apoiadas por milícias de Uganda. Vilarejos locais foram tomados por homens armados que até hoje controlam as ricas áreas do leste do país e lucram com o tráfico ilegal de matérias primas.

No total, 200 grupos rebeldes atuam no país, entre eles o poderoso e temido FDLR (Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda). A principal dificuldade para conter as milícias, segundo a organização de ajuda humanitária internacional Friends of the Congo (Amigos do Congo), com base em Washington, é a falta de um governo legítimo que possa exercer autoridade e controle sobre todo o país. A ONG, criada em 2004 para ajudar na busca de uma solução de paz, diz que o fim dos combates depende de maior pressão internacional sobre Ruanda e Uganda para que cessem suas intervenções destrutivas e pilhagens, além  da eleição de um governo responsável e confiável.

Acusado de corrupção, o presidente do Congo, Joseph Kabila, filho do ex-ditador Laurent Kabila, está no poder desde 2001 sem conseguir pacificar o país. “O Congo continua a ser roubado por seus próprios líderes, por outros países, por governos estrangeiros, por corporações estrangeiras e instituições multilaterais, como o FMI”, disse a Friends of the Congo em entrevista a nossa reportagem.

O professor de História da África da PUC-Rio Alexandre dos Santos observa que a paz depende de uma grande vontade política, não apenas do presidente Kabila ou de seu eventual sucessor, mas de todos os chefes de Estado e de governo da região. Ele lembra que que a sobrevivência dos grupos armados se dá também pelo apoio que recebem dos países vizinhos.“O  mais importante seria restabelecer essas autoridades regionais e locais para que o processo de reestruturação do país comece por elas e que se dê o devido apoio de segurança por meio de tropas do governo ou da Monusco (Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo) para que se evite o medo e se restabeleça o direito de representação e de expressão”, disse o professor.

Santos observa que a distância entre as regiões em conflito e a capital é apenas um dos fatores que atrapalha o controle da atuação dos grupos rebeldes. A porosidade das fronteiras, a distância dessas regiões da capital Kishansa, a dificuldade de acesso e a grande área florestal na qual esses grupos se escondem são grandes empecilhos, mas nada se compara, segundo ele, a falta vontade política efetiva de alguns governos em combater determinados grupos.

O jornalista Anjan Sundaram, correspondente no Congo do jornal “The New York Times” e da agência Associated Press, autor de dois livros sobre a guerra no Congo, condena a comunidade internacional por apoiar desmandos de Kabila. “Infelizmente, o mundo apoia líderes congoleses que usam o Exército para manter a paz, mas são corruptos e destroem instituições nacionais. Isso apenas fortalece o ciclo de violência”, disse ele em entrevista por e-mail.

Segundo o jornalista, a vida dos congoleses é vista como algo menor. “O mundo não lamenta as mortes no Congo, só lamenta quando há mortes ocidentais. Isso faz com que a violência no Congo seja legitimada.”

O refugiado congolês Lubangi Muniania, produtor musical que hoje vive em Nova York, também culpa a comunidade internacional pelos acontecimentos. O jovem congolês perdeu familiares e amigos na guerra  e teve parentes deslocados por causa dos combates. “Há uma única coisa que importa para a comunidade internacional:  o dinheiro da mineração. Eu aprendi que o meu povo e os nossos sonhos não importam”.

 

Fonte: Portal Olhares do Mundo ||

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