Uma jovem a quem foi ministrado soro fisiológico vencido deve receber indenização de R$ 5 mil da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Oliveira. O entendimento da 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) é que o episódio, independentemente da comprovação de culpa, é suficiente para causar dano moral.
A ação foi ajuizada pelo pai da paciente, que à época tinha 17 anos. Ela deu
entrada no hospital com um quadro de desidratação causado por virose, em
outubro de 2016.
O pai notou que o terceiro frasco de soro ministrado estava vencido havia um
mês e comunicou o fato à técnica de enfermagem. No entanto, nada foi feito, o
que trouxe apreensão e angústia à paciente.
A Santa Casa afirmou que a técnica de enfermagem, ao ser informada,
imediatamente interrompeu a infusão, e a paciente permaneceu todo o dia em
observação. Constatada a melhora, ela foi liberada em boas condições clínicas.
Conforme o hospital, o soro vencido não é nocivo, pois a substância perde suas
propriedades, mas não ocasiona mal ao paciente. Salientando que não ficou
demonstrado o dano, o estabelecimento alegou que não praticou ato que pudesse
ensejar o dever de indenizar.
Na Comarca de Oliveira, o pedido foi julgado improcedente. A juíza Maria
Beatriz de Aquino Gariglio considerou que não havia prova de que a paciente
tivesse sofrido piora do estado de saúde ou de que a medicação a tivesse
prejudicado.
Para a magistrada, a situação provocou preocupação à paciente, mas não
“dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade,
interfiram intensamente no comportamento psicológico do lesado e causem
aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar”.
Diante da sentença, a família recorreu, alegando que os transtornos provocados
pela conduta negligente do hospital causaram abalos psicológicos a todos.
Segundo pai e filha, não houve monitoramento adequado após a aplicação do soro,
o que evidencia o descaso do estabelecimento e caracteriza violação ao
princípio da confiança.
Segunda Instância
Os desembargadores Fernando Lins (relator), Fernando Caldeira Brant e Vicente de Oliveira Silva deram provimento ao recurso. Para os magistrados, a Santa Casa descumpriu sua obrigação em relação à saúde e à segurança do consumidor ao administrar à paciente sob seus cuidados medicamento de validade vencida havia um mês.
O relator ponderou que a interrupção imediata da infusão do medicamento não
exclui a responsabilidade pelos danos causados, pois já estava consumada a
conduta. Além disso, a ausência de danos à saúde ou piora no quadro clínico não
afasta a existência de dano extrapatrimonial.
Isso porque o padecimento e o estresse inerentes ao fato de a paciente encontrar-se
em hospital para tratar uma enfermidade foram acentuados pela apreensão
ocasionada pela aplicação do soro vencido e pelo temor de efeitos colaterais, o
que ultrapassa o mero aborrecimento.
O magistrado afirmou que uma pessoa em tratamento é mais sensível
emocionalmente, experimentando aflição, inquietude, consternação, além de dores
e desconfortos da moléstia. Por essa razão, deposita sua confiança nos que a
atendem, acreditando que lhe serão ofertados os tratamentos adequados à sua
recuperação.
Para o relator, o uso de medicamento vencido gera receio e incerteza quanto à
resposta do organismo, já enfraquecido. Para o desembargador Fernando Lins, era
razoável que os profissionais do hospital tranquilizassem a paciente e sua
família, fornecendo as informações técnicas atinentes.
“Não se pode olvidar das condições pessoais da autora — à época, ainda menor de idade — e de sua família — pessoas leigas e que desconheciam a real gravidade do consumo de soro fisiológico fora da validade”, concluiu.
Fonte: Tribunal de Justiça de Minas Gerais