A crise tem tirado o sono de muitos brasileiros. Em tempos de preços nas alturas, a preocupação de milhões de trabalhadores tem sido com a ginástica para fazer o dinheiro esticar até o fim do mês. Essa, no entanto, não parece ser a dor de cabeça de membros do Judiciário que, ano a ano, têm os salários inflados com uma série de benefícios.
A crítica aos chamados “penduricalhos”, que fazem os salários no Judiciário alcançarem cifras bem acima do teto constitucional para o serviço público (hoje de R$ 33.763), é a bandeira do procurador federal Carlos André Studart, que se diz preocupado com a imagem pública do Poder no país. Segundo o magistrado, apenas uma pequena parte da população conhece a quantidade de auxílios concedidos a juízes e a outros membros do Ministério Público. “O que costumo denunciar não é bem a questão do subsídio dos magistrados, que considero justo. O problema está nos penduricalhos inconstitucionais e nos arranjos que são feitos para burlar o teto do funcionalismo público”, critica. Studart conta que há casos de juízes federais que chegam a receber, em único mês, mais de R$ 100 mil graças aos auxílios anexados aos vencimentos.
O procurador decidiu elaborar um levantamento que mostra as remunerações que ultrapassam, e muito, o teto. “Pelo que diz o artigo 37 da Constituição Federal, os funcionários públicos devem ser remunerados em parcela única, sempre limitados ao salário do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje em R$ 33,7 mil”, explica.
Studart alerta que o Judiciário pode ficar ainda mais oneroso aos cofres públicos caso seja aprovada pelo Congresso Nacional a reforma da Lei Orgânica da Magistratura (Loman), norma que estabelece todas as regras para juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores.
A minuta de projeto está em discussão no STF e recebe sugestões de todos os seus integrantes. Segundo o procurador, a reforma prevê a criação de mais privilégios à magistratura.
As mudanças no Estatuto da Magistratura tendem a aumentar ainda mais o gasto com pessoal, cerca de 412 mil servidores, como o adicional de até 35% por tempo de serviço – a cada cinco anos trabalhados são 5% de reajuste. O anteprojeto prevê também a criação de auxílios creche, alimentação e transporte aos magistrados.
Nele, há ainda a sugestão de que o poder de reajustar os salários dos integrantes da Corte seja transferido do Congresso para o STF. “Isso só prejudica a imagem pública do Poder Judiciário. A esperança é que os abusos não passem nem mesmo no Supremo e, muito menos, no Congresso”, defende. Para o procurador, o Legislativo, a OAB e a Advocacia Geral da União (AGU), com a pressão da sociedade, poderiam atuar para o fim dos privilégios.
Reforma
O estatuto atual, criado em 1979, lista os direitos e os deveres dos 16,4 mil magistrados encarregados de julgar mais de 100 milhões de processos judiciais no Brasil.
Vantagens dobram os salários
O levantamento feito pelo procurador federal e membro da Advocacia Geral da União (AGU) Carlos André Studart escancara a realidade de juízes e procuradores da República que, além do subsídio, chegam a receber mais que o dobro do próprio salário em “vantagens eventuais”, como traz a folha de pagamento de alguns magistrados da 5ª Região.
Com o subsídio de R$ 28.280, o salário final de um dos juízes chegou a R$ 85.322 num único mês. Outro caso é o de uma juíza de Porto Alegre (RS), que recebeu em seu contracheque R$ 475 de auxílio-táxi por dois dias de trabalho externo.
Studart cita ainda a longa lista de benesses criadas para inflar ainda mais os supersalários dos magistrados: auxílio-educação, auxílio-livro, auxílio-transporte, auxílio-moradia, auxílio-saúde e muitos outros, rotulados com caráter indenizatório. “O indivíduo que recebe um salário mínimo tem que se virar com R$ 788 para custear suas necessidades vitais básicas. É realmente um absurdo”, ataca.
Reajuste
Servidores do Judiciário aguardam ainda a decisão do Congresso sobre o projeto de lei que reajusta os salários em até 78%, conforme o cargo.
Pela proposta aprovada em junho no Senado, o reajuste deverá ser pago em seis parcelas até 2017. Pelos cálculos do Ministério do Planejamento, os percentuais representariam um impacto de R$ 1,5 bilhão só neste ano.
A proposta, o item de maior preocupação para o governo na lista das pautas-bomba à espera de manutenção do veto, pode ter impacto de R$ 36,2 bilhões nos cofres da União até 2019. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é a favor da manutenção do veto.
O Tempo Online