Das 106 vagas que não foram ocupadas depois da primeira etapa de seleção de profissionais para o Mais Médicos, 63 estão em Distritos Especiais de Saúde Indígena, os Dseis, o que equivale a 59% do total. Dos 34 distritos de saúde indígenas existentes no país, oito — todos no Norte — ficaram com vagas ociosas depois do término das inscrições na última sexta-feira (7).

Segundo especialistas, a explicação para esse cenário passa por três aspectos:

  • o isolamento de algumas dessas comunidades, principalmente as da região amazônica;
  • o perfil do estudante de medicina brasileiro;
  • o modo como a carreira médica é feita no Brasil.
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Os distritos indígenas da Amazônia, por ficarem em locais de difícil acesso, sofrem ainda mais dificuldades no preenchimento de vagas, afirma Paulo Basta, supervisor dos médicos cubanos do Dsei Tapajós, no oeste do Pará, e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública.

Das 11 vagas que foram ofertadas no edital do Mais Médicos para o Tapajós, apenas cinco foram ocupadas. Em comparação, os distritos indígenas do litoral tiveram todas as vagas preenchidas na primeira etapa de seleção.

“As áreas da Amazônia são remotas, onde as pessoas têm muita dificuldade para chegar. Essa é a primeira dificuldade. E aí, quando você chega, as jornadas de trabalho não são iguais às que você tem nas cidades. São 20, 30 dias direto nos locais de trabalho. Esse é outro problema”, avalia Paulo.

Em nota, o Ministério da Saúde ressaltou que somente 18,9% das vagas em distritos não foram preenchidas e que o processo de seleção continua. Além disso, afirma que o atendimento a essa população é feita de outras formas:

“O Ministério da Saúde busca o aprimoramento constante das ações em saúde dos povos indígenas. (…) Para viabilizar essa assistência, o Ministério da Saúde utiliza transportes aéreos (aviões e helicópteros), terrestres (caminhonetes, caminhões, vans) e aquáticos (barcos) para a remoção de pacientes em consultas médicas, atendimentos de urgência e emergência e no transporte das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) em áreas específicas de programas desenvolvidos pela pasta.”

Atrair médicos para as regiões mais afastadas do país foi um dos problemas que o Mais Médicos buscou resolver, empregando brasileiros e estrangeiros. Criado em 2013, durante o governo Dilma Rousseff, o programa chegou a trazer para o Brasil cerca de 11 mil médicos cubanos, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Quando o país caribenho decidiu deixar o programa, no mês passado, eram 8,3 mil profissionais atuando aqui.

O Mais Médicos oferece bolsas de R$ 11,8 mil — valor superior, por exemplo, à média da remuneração no Norte e Nordeste para os profissionais da Estratégia de Saúde da Família. Nessas regiões, afirma o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), o salário fica em torno de R$ 10 mil, mas pode variar bastante. O programa também dá uma ajuda de custo que pode chegar ao valor de três bolsas (mais de R$ 35 mil).

 No Brasil, 301 dos 529 médicos nos distritos indígenas eram cubanos— 57%, segundo o Ministério da Saúde. Se contabilizados apenas os que atendiam esses distritos pelo Mais Médicos, oito a cada dez médicos vinham de Cuba. A população atendida nos distritos de saúde indígena é de 818 mil pessoas, segundo a pasta.

O médico Arumis Benitez foi um dos cubanos a ir trabalhar na região amazônica. Ele disse que o trabalho foi muito gratificante: “São pessoas que precisam muito mesmo [de assistência médica]”. Hoje ele vive no município de Parintins, no Amazonas, está casado, tem dois filhos, e luta para conseguir se manter no país.

De acordo com o Ministério da Saúde, as doenças que mais atingiram os indígenas brasileiros em 2017 foram resfriados, pneumonias, doenças diarréicas agudas e parasitoses. Também há ocorrência de enfermidades crônicas, como AVC, hipertensão e diabetes.

Perfil dos médicos

Além do fator distância, Paulo Basta acredita que a não ocupação das vagas dos distritos indígenas reflete a desigualdade social do Brasil.

“Quem é que tem acesso às faculdades de medicina hoje em dia? Geralmente são pessoas de alto nível socioeconômico, que tiveram uma formação privilegiada. Então as vagas das faculdades são ocupadas pela elite brasileira — elite que não tem nenhum interesse em trabalhar com a questão indígena. Muitos estudantes de medicina são filhos de fazendeiros, produtores do agronegócio, garimpeiros — pessoas que têm conflitos declarados com as populações indígenas e têm interesses econômicos sobre esses territórios”, argumenta.

Para Alessandra Korap, líder indígena da etnia Munduruku da região, a saída dos cubanos é uma perda que a população indígena local vai sentir muito.

 

 

 

Fonte: G1 ||

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