O jornalista José Maria Rabelo faleceu nesta quarta-feira (29) de falência múltipla dos órgãos. Ele vai ser velado na Casa do Jornalista, das 14h às 20h.

Ele foi o fundador do semanário Binômio, considerado um dos precursores da imprensa alternativa no Brasil, e exilado político por sua atividade jornalística. José Maria era natural de Campos Gerais, no Sul de Minas.

Com dois anos, perdeu a mãe e foi criado – ele e mais dez irmãos – pela madrasta Calypsa, que sempre o tratou como filho. Seu pai era dentista e quando os filhos ficaram um pouco maiores, ele resolveu mudar-se para Belo Horizonte, para que todos pudessem fazer faculdade. Nessa mudança, sua queda pela área de humanas já havia se concretizado.

Em Belo Horizonte, José Maria Rabelo vendia anúncios para uma publicação chamada Cultura Magazine, que era do ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Washington Albino, que foi quem o levou para sua primeira experiência em uma redação de jornal. José Maria Rabelo foi trabalhar como repórter no “Informador Comercial”, publicação do jornalista José Costa que, em meados do século passado, iria transformar-se no “Diário do Comércio”. “Eu era muito empenhado na notícia”, afirmou José Maria Rabelo em entrevista ao site “Bafafa”, que é dirigido por seu filho, o também jornalista Ricardo Rabelo.

Binômio

No início dos anos de 1950, José Maria Rabelo ficou conhecendo o jornalista Euro Arantes, com quem fundaria o jornal “Binômio”, que circulou semanalmente, durante 12 anos, de 1952 a 1964. O “Binômio” era um jornal posicionado à esquerda e tinha como características mais marcantes a ironia, o sarcasmo e o bom humor. O próprio título do jornal era uma ironia ao então governador de Minas, Juscelino Kubitscheck, que tinha como lema de governo o binômio “energia e transporte”. O semanário foi considerado o precursor da imprensa alternativa e popular que ganharia força durante a ditadura. Nos anos de 1970, o Binômio seria equivalente ao semanário “Pasquim”, que também tinha a ironia e o sarcasmo como ingredientes principais.

Em 1961, o jornal foi literalmente destruído por cerca de 200 homens do Exército e da Aeronáutica. Tudo por conta de críticas feita pelo jornal ao general João Punaro Blay, que foi designado pelo Exército para comandar a ID4, a maior unidade militar do Exército em Minas na época.

Em entrevista ao portal de notícias “Beltrano”, José Maria Rabelo contou que ao fazer um levantamento do passado do general, descobriu que ele havia sido interventor no Espírito Santo durante a ditadura de Getúlio Vargas e que durante sua gestão, ele agiu com truculência com os adversários, criando campo de concentração para os presos políticos e obrigando jornalista a engolir jornal, entre outras formas de violência.

Fiel ao espírito sarcástico do jornal, a reportagem tinha o seguinte título: “Funaro Blay, democrata hoje, fascista ontem”. José Maria Rabelo contou que dois dias depois da publicação da reportagem, o general foi ao jornal cobrar uma explicação. “Isso foi na segunda e na quarta ele apareceu para falar comigo. Ele levava numa mão o jornal e na outra o barrete militar. Queria saber quem havia escrito ‘aquela merda’. Eu disse que era responsável por tudo que saía no jornal. Então ele me pegou pelo colarinho e eu reagi. Mas eu era judoca e o general levou uma desvantagem enorme na boca e saiu de lá com a roupa toda arrebentada. Mas continuava ameaçando, dizendo que não ia ficar assim. E não ficou mesmo. Três horas depois, 200 homens do Exército e da Aeronáutica comandados por seus respectivos comandantes, destruíram tudo”, afirmou o jornalista, que, com isso, foi obrigado a fugir de Belo Horizonte, indo, disfarçado de padre, para Poços de Caldas e, de lá, para São Paulo.

Ele só voltou para Belo Horizonte após a posse de João Goulart, para reestruturar o jornal, que circulou até 1964. Em 2014, as 801 edições do jornal foram digitalizadas pela biblioteca da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e estão disponíveis para consulta em https://bit.ly/3HfqxSO

Exílio

 Com o golpe militar, José Mara Rabelo, na época com sete filhos pequenos, foi para o exílio, tendo residido no Chile, onde criou uma rede de oito livrarias especializada em ciências sociais, e na França, onde se tornou novamente livreiro.

Em 1979, com a anistia, ele retornou ao Brasil. Com Leonel Brizola, participou da reorganização do antigo PTB, mas sem perder o vínculo com o jornalismo, escreveu dois livros. Um é “Os caminhos do exílio”(Geração Editorial, 2016), em que descreve como foram os anos em que passou exilado. O mais recente foi “A história geral de Minas”, lançado em dezembro de 2018, em parceria como o economista João Antônio de Paula, Fernando Correia Dias e Ricardo Moura Faria.

Em 2019, José Maria Rabelo participou, no Sindicato dos Jornalista de Minas, da abertura da série “Diálogos da Casa”, cujo objetivo era discutir temas importantes da atualidade. Rabelo falou sobre “Tendências da América Latina”, abordando desde os novos modelos de golpe, baseados na mídia e no poder judiciário, até os acontecimentos mais recentes na Argentina, Chile, Equador, Peru, Uruguai e Bolívia.

Na época com 91 anos, José Maria Rabelo mantinha o bom humor e otimismo, que sempre o caracterizaram. “Não é oba-oba não”, esclareceu, explicando que não era otimista porque estava querendo elevar o ânimo dos companheiros. “A tendência é a favor das forças progressistas, na América Latina e no mundo. A realidade é essa, não temos motivos para ficar deprimidos”, acrescentou.

“O mundo caminha para frente. Todas as forças latentes, apesar do momento de obscuridade, inclusive no Brasil, apontam para uma nova fase de afirmação dos sentimentos populares”, enfatizou Rabelo. “O problema é o que vamos fazer. Temos de procurar responder o que cabe a nós fazer com o poder”, observou o jornalista.

Fonte: Jornal Em Tempo

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