Paulo Coelho

Esta é a pergunta que não quer se calar e cuja resposta, entra governo, sai governo, as autoridades dela se esquiva. Por quais razões?

Na tentativa de encontrar uma resposta plausível, ao menos mais confiável, nossos editores se dedicaram a uma série de consultas aos anais dos órgãos públicos, a quem está afeto o problema, e concluíram que: a caixa d’água representada pelo Lago de Furnas, hoje se apresenta em níveis críticos e que inviabilizam uma série de atividades econômicas, todas dependentes da manutenção de um nível aceitável no lago quase exaurido, por falta de um entrosamento entre as partes diretamente envolvidas.

Os municípios lindeiros não podem e nem devem aceitar passivamente o absurdo sacrifício que lhes é imposto, simplesmente porque o Operador Nacional do Sistema (ONS), ou seja lá quem for, optou por privilegiar este ou aquele Estado em nome da manutenção de determinada atividade econômica.

As águas de Furnas, ou melhor, armazenadas no Reservatório de Furnas, não pertencem àquela estatal; são sim, um patrimônio de todos os brasileiros, fazendo aqui uso da forte conotação de “mineirice” que o próprio Juscelino Kubitschek (JK) lhe deu, ao conceber a enorme gama de atividades econômicas e os benefícios que adviriam da implantação do empreendimento “Furnas”, à época, reconhecido como o terceiro no ranking mundial, em volume d’água a ser armazenada e na consequente geração de energia projetada.

Relembrando
Em 2018, segundo dados fornecidos pelo ONS, o volume máximo do lago esteve em 33,50% e o seu mínimo chegou a 14,36%. Naquela oportunidade, a quota máxima do reservatório foi medida em 758,16 e a mínima, foi igual a 754,03. Portanto, pode-se dizer que Furnas Centrais Elétricas e o sistema a jusante, consumiram apenas 19,05% do volume ali armazenado.

Dito isto, pergunta-se: Para onde então estão sendo direcionadas nossas águas? Se não geram energia, como explicar o esvaziamento do lago, dizimando nossa economia que nas atividades turísticas, de psicultura, na agro-pastoril, na agricultura de irrigação e na inibição da exploração de transporte hidroviário nos mais de 500 quilômetros de extensão do lago, dependeriam fundamentalmente, da manutenção de um mínimo aceitável da quota que seria em torno de 50% de seu volume útil.

Importante também frisar que, nas pontas do reservatório, região de Formiga e basicamente no Sul de Minas, a falta de água constante e em longos períodos, devido ao assoreamento do lago e seu piso praticamente plano (fundo), forma pequenas poças d’água, habitat preferido para a proliferação da dengue nas ditas regiões.

Pergunta-se: Nas condições acima descritas, está garantido o USO MÚLTIPLO DAS ÁGUAS, pelas populações lindeiras?

Comprovando a tese
Segundo apurado pelo jornal, a Agência Nacional de Águas (ANA) preocupou-se com o mau funcionamento da Hidrovia do Tietê que, nos anos de 2014/15, teve seu funcionamento prejudicado pela seca que assolou a região.

Assim sendo, num esforço de vários órgãos federais, resolveu-se lançar mão das águas armazenas em Furnas para socorrer a hidrovia. Importante saber que nenhum órgão do governo de Minas (principal interessado) ou de representatividade dos municípios prejudicados (34 no total) foram ouvidos à época.

Estiveram reunidos: Além de técnicos da Agência Nacional de Águas, representantes do setor de navegação comercial na hidrovia Tietê-Paraná, Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Ministério dos Transportes, Marinha do Brasil, Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Ministério da Integração Nacional, Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Secretaria Nacional de Assuntos Federativos (SAF) da Presidência da República, Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Ministério de Minas e Energia, Prefeitura de Pederneiras (SP), concessionários de hidrelétricas, entre outros.

São atribuições da ANA
Segundo a Lei n° 9.984, de 17 de julho de 2000, cabe à agência, planejar e promover ações destinadas a prevenir ou minimizar os efeitos de secas e inundações, em apoio aos estados e municípios, além de definir e fiscalizar as condições de operação de reservatórios por agentes públicos e privados, visando a garantir o uso múltiplo dos recursos hídricos, conforme estabelecido nos planos de recursos hídricos das respectivas bacias hidrográficas e em articulação com o ONS, quando se tratar de reservatório do setor elétrico.

Detalhe: Aqui foi desconsiderado tudo que se investiu em razão de Furnas, em especial nos setores que, acreditando no Plano Diretor do Lago de Furnas, patrocinado pelo governo de Minas na década de 90, acabou atraindo milhares de investidores criando aqui na região emprego e renda que, infelizmente, agora, se esvaem por razões óbvias.

Dois pesos e duas medidas
Se ANA justifica o esvaziamento de Furnas alegando que: “Existem pontos em que não é possível trafegar com barcaças grandes que trazem carga para a exportação, que é o transporte de longo curso”, na hidrovia do Tietê, conforme explica o engenheiro José Gheller; e se, em 2017, a movimentação da hidrovia bateu recorde: foram quase nove milhões de toneladas, ainda assim, a expectativa para 2018 foi de 10% de crescimento na movimentação.

E acentua
Cada comboio substitui nas rodovias 200 caminhões. “Pneu, pedágio, petróleo, então, isso aí tudo é muito caro e onera a cadeia. Uma vez que nós tivermos exportação com redução de custo, vai ganhar todo mundo, inclusive o nosso produto vai ficar mais competitivo a nível internacional e o produtor vai ter um ganho maior”, destaca Paulo Narcizo Rodrigues, que é despachante aduaneiro. Todo o acima descrito faz parte de informações retiradas do site da ANA, em matéria que tratava das providências que deveriam sanar os prejuízos trazidos pela interdição da hidrovia, que durou 20 meses entre 2014 e 2016, onde se afirmava que a hidrovia Tietê-Paraná corria risco de ter suas atividades paralisadas naquele ano. Os motivos envolvem uma combinação de dois fatores: a falta de chuvas há dois meses associada à possibilidade de que o ONS decida rebaixar o nível do reservatório das usinas de Ilha Solteira e de Três Irmãos, principais geradoras de energia na região, o que comprometeria a navegação e o transporte de produtos como soja, farelo de soja e cana de açúcar na hidrovia.

Ora, se os benefícios relatados como inerentes à Hidrovia do Tietê são reais, por que então se permitiu que a programada Hidrovia de Furnas, projetada por JK, e prometida para ser viabilizada não faz muito tempo, ficasse apenas nas intenções de ministros e outros servidores federais que aqui se reuniram e anunciaram com pompa, a boa nova?

Recordando
Matéria publicada em 18/05/2011 sob o título: Hidrovia der Furnas começará a funcionar no próximo ano

A cidade de Alfenas sediou nesta terça-feira (17), uma audiência pública sobre a implantação da Hidrovia no Lago de Furnas. O evento contou com a presença de representantes da União, Estado, municípios e de membros da iniciativa privada.

Na audiência pública da Comissão de Assuntos Municipais foi abordada a implantação da hidrovia no Lago de Furnas, em uma extensão de aproximadamente 250 quilômetros, ligando os municípios de Formiga e de Alfenas, proporcionando mais desenvolvimento econômico e social para a região do Lago.

De acordo com o coordenador do Departamento de Turismo na Prefeitura, Eduardo Batista, que esteve presente na audiência representando o município, o diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), Paulo Roberto Godói, anunciou a liberação dos recursos para os investimentos na hidrovia.

Ficou definido ainda, que a hidrovia começará a funcionar em caráter experimental a partir de janeiro ou fevereiro de 2012 e, que a partir de 2013, a hidrovia irá operar comercialmente em caráter definitivo.

Ainda de acordo com Eduardo Batista, durante a audiência, ficou acertado que o intuito é, num futuro próximo, fazer a ligação da hidrovia Formiga/Alfenas com a hidrovia Tietê-Paraná e, consequentemente, com a Bacia do Prata, na Argentina.

Confira os níveis de Furnas na quarta-feira (6)
Nível do dia: 757,86
Volume útil: 19,16

Com as chuvas que assolaram toda a bacia Furnas, especialmente em dezembro e fevereiro, segundo a população local, já era para a represa estar apresentando suas águas no nível maior, quota 768. O que não mais ocorreu após a maléfica decisão da ANA.

Danos ambientais
Danos ambientais gerados por Furnas vêm sendo estudados e denunciados há algum tempo pelo editor deste jornal. A matéria abaixo relata alguns destes que, infelizmente, apesar de comprovados e bem embasados por provas e laudos, não resultaram nas providências esperadas.

Confira matéria do dia 25 de janeiro de 2013

Furnas pode ser responsabilizada por crime ambiental

As biólogas Lílian dos Reis (funcionária da Secretaria de Gestão Ambiental) e Nágela Alexandre Zuchi [especialista na área de ictiologia (peixes de água doce)] iniciaram, na terça-feira (22), o levantamento necessário para determinar o possível prejuízo ambiental havido em função da baixa repentina do nível das águas no reservatório do Lago de Furnas no segundo semestre do ano de 2012.

O impacto, ao que parece, foi significativo se considerar o grande número de indivíduos bivalves (mexilhões) mortos e encontrados no leito da represa. Cerca de mais de cem indivíduos por metro quadrado, foi o que se apurou na região visitada.

Nágela, atualmente, desenvolve projetos de resgate da fauna no estado do Maranhão, a serviço da Amplo Engenharia Ambiental, contratada pela Vale do Rio Doce, que desenvolve projetos de preservação nesta área.

Lílian e Nágela, em Formiga, estão a serviço da Arpa II, levantando dados e colhendo subsídios para o embasamento de provável ação do Ministério Público de Minas Gerais, a cargo da Coordenadoria Estadual de Defesa Animal, atendendo à solicitação da promotora do Meio Ambiente, Luciana Imaculada de Paula.

De acordo com as biólogas, a conclusão do laudo está prevista para ocorrer em 30 dias.

Denúncia sobre desaparecimento e fauna

(Foto: Arquivo NI)

(Foto: Arquivo NI)

Em relatório elaborado pelo eminente professor Manoel Pereira de Godoi, reconhecido (*) ictiologista da Universidade de Pirassununga, em 2000, a pedido do então presidente do Codema, o jornalista Paulo Coelho, comprovou-se que antes mesmo da inauguração de Furnas, o ictiologista já se preocupava com as espécies que existiam em abundância nos rios e que desapareceram com a formação do grande Lago de Furnas Isto porque os rios Sapucaí e outros, inclusive o Grande, perderam suas características indispensáveis e necessárias para a sobrevivência e perpetuação de inúmeras espécies de peixes. Não há mais piracema em lago!

Segundo o relatório do professor Manuel Pereira de Godoy, diversas espécies de peixes de escamas, de couro e de placas, em 2001, época de suas observações, já haviam desaparecido (se extinguiram) dentro do eco sistema dos rios Mogi/Pardo/Grande.

Denúncia na Comissão Mundial de Barragens


Este trabalho, também embasou a documentação que o jornalista, em 2001, apresentou no encerramento da Comissão Mundial de Barragens, (Universidade de São Paulo), denunciando o descaso de Furnas para com a natureza e exigindo que se fixasse uma cota mínima como limite de baixa do nível do lago, capaz de viabilizar o uso múltiplo das águas (exploração turística, irrigação, navegação lacustre, etc), e que evitasse que danos maiores às espécies vivas pudessem ocorrer, como agora se viu.

A tese, então levantada pelo jornalista, mereceu o apoio de vários participantes do encontro e contou com a ajuda do professor Luiz Pinguelli Rosa, um de seus mais ardentes defensores e foi o estopim para a deflagração, ainda no governo de Itamar Franco, do movimento que resultou na ameaça de detonação do dique de Capitólio, em defesa de Furnas que, fora então esvaziada por razões meramente políticas.

Fontes: ONS e ANA

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