A entidade se chama Urihi. Em tese, é uma Organização Não Governamental voltada à assistência de saúde da tribo dos Yanomami. Na prática, foi inaugurada com o único propósito de receber verbas do governo. Três meses depois de abrir as portas, em 1999, obteve da Funasa R$ 8,7 milhões. Em 2002, a Fundação Nacional da Saúde já havia repassado à ?ONG?, por meio de três convênios, a notável soma de R$ 33,8 milhões.
Em Brasília, não há vestígio de nenhuma aferição oficial dos gastos. Fica-se sem saber, de resto, que fim levaram os outros R$ 18,2 milhões repassados pelo Tesouro à entidade. Na língua dos Yanomami, a palavra Urihi designa território. ?Ipa urihi? significa, para os índios, ?minha floresta.? O território da ONG foi o bolso do contribuinte. Trafegou com rara desenvoltura pela floresta de rubricas que nascem do Orçamento da União.
Em Ofício de 6 de agosto de 2001, endereçado, de novo, à Funasa, a ?ONG? deixava claro para o governo que toda a verba pública direcionada para suas arcas só conheceria a trilha de ida: ?Informamos também que a Urihi não dispõe de qualquer outra fonte de recurso que permita a devolução deste dinheiro?.
Relatório de auditoria aprovado pelo TCU há nove meses constata: ?O caso da ONG Urihi […] deixa evidente que a prática de transferir recursos a entidades que não dispõem de condições para consecução do objeto não é só uma questão de análises técnicas superficiais ou deficientes. A celebração do primeiro convênio, no valor de R$ 8.778.787,09, apenas três meses após a fundação da ONG, revela, no mínimo, negligência com o trato da coisa pública e absoluto descaso com as normas que condicionam a celebração de convênios […].?
A Urihi é apenas uma das dez ?ONGs? que tiveram a escrituração varejada por auditores do Tribunal de Contas da União. Firmaram com o governo 28 convênios. Encontraram-se irregularidades 15. Juntas, as entidades fiscalizadas beliscaram dos cofres públicos R$ 150,7 milhões entre os anos de 1999 e 2005. As liberações ocorreram em ambiente de absoluto descontrole.
Os auditores encontraram ?planos de trabalho mal elaborados, objetos imprecisos, metas insuficientemente descritas, projetos básicos ausentes, incompletos ou com informações insuficientes?. Há mais e pior: ?Em nenhum dos convênios analisados houve a preocupação dos órgãos concedentes de avaliar a qualificação técnica e as condições (administrativa, técnica, operacional, experiência, pessoal qualificado, etc.) das entidades […]?, escreveram os auditores.
O desfecho do descalabro é descrito assim no relatório do TCU: ?O resultado da omissão, ou da ação, fez com que quinze convênios (dos 28) fossem celebrados com entidades que comprovadamente não dispunham de condições operacionais para consecução dos seus objetos ou não tinham atribuições estatutárias relacionadas aos mesmos. Os recursos assim repassados, no valor de R$ 82.089.051,81, representam 54,5% do total fiscalizado?.
O documento do TCU, aprovado em sessão plenária do tribunal realizada em 8 de novembro de 2006 (íntegra aqui), converteu-se em matéria-prima para a CPI das ONGs do Senado. Nesta terça-feira (30), a comissão recebe o ministro Jorge Hage, da Controladoria Geral da União. Ele vai dar detalhes de uma fiscalização que a CGU realiza na contabilidade das ONGs. Trabalho, por ora, inconcluso.
Procurador do Ministério Público Junto ao TCU, Lucas Furtado afirma que o relacionamento das ONGs com o governo padece de falta de regulamentação. ?Da forma como a coisa é feita, só não desvia dinheiro público quem não quer?, diz Furtado. ?Os gestores de ONGs que aplicarem corretamente as verbas que recebem do governo devem ter os seus nomes encaminhados ao Vaticano para canonização. A correção se dá por convicção, não por receio de qualquer tipo de controle, que, da parte do governo, inexiste?.
Não há nos arquivos do governo nenhum relatório que informe ao contribuinte brasileiro quais foram os resultados práticos da suposta assistência que a Urihi diz ter prestado aos Yanomami. Em carta que endereçou à Funasa em 28 de fevereiro de 2005, a ONG informa que ?decidiu não firmar um novo convênio? com a Funasa.

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