Santana do Riacho – De um lado, carcaças de milhares de pequenos peixes mortos atraem bandos de carcarás e cães; de outro, cavalos procuram capim em meio ao mato seco.

Essas cenas, flagradas pela reportagem do jornal Estado de Minasna tarde de segunda-feira (27), não são de um lixão ou de uma área qualquer abandonada. São de um dos mais belos cartões-postais de Minas Gerais: a lagoa da Lapinha da Serra, distrito de Santana do Riacho, a 142 quilômetros de Belo Horizonte.

Quem já foi alguma vez a esse lugarejo e retorna lá agora leva um enorme susto. Por causa da estiagem prolongada, o espelho d’água cristalino que atrai turistas todos os finais de semana praticamente não existe mais. O lago está seco, o solo rachado, cheio de carcaças de peixe em decomposição. Quando bate o vento, o mau cheiro nas proximidades é insuportável.

O estado de calamidade por causa da falta d’água foi decretado em 23 de agosto pelo município, mas, desde 2018, moradores passaram a perceber o nível baixíssimo de água nos períodos de estiagem, o que não ocorria em anos anteriores. Para eles, uma série de fatores levam a essa calamidade: estiagem, as queimadas nas partes mais elevadas das serras, a especulação imobiliária e a abertura de cerca de 10 poços artesianos particulares e irregulares na região. Com isso, o resultado não poderia ser pior: graves prejuízos ao turismo, principal atividade do lugar.

Desde meados de julho, quando foi noticiada a seca na Lagoa da Lapinha, que tem 294 hectares em seus dois níveis e uma capacidade de gerar até 5,6MW, a situação se agravou. Ela está completamente seca na parte superior.

A mortandade de milhares de peixes no local já vinha sendo exposta pela comunidade por meio de movimentos sociais e denúncia ao Ministério Público, que na ocasião abriu inquérito para apuração do rebaixamento da lagoa. Na última semana, funcionários da usina da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Coronel Américo Teixeira, que utiliza as águas da lagoa para gerar energia, realizaram uma ação para a retirada de peixes que ainda estavam vivos na lama.

Porém, a ação foi relatada ao prefeito de forma oficiosa e seu balanço não foi divulgado. A suspeita dos que fizeram a denúncia ao MP é de que a diminuição seria decorrente do aumento das atividades do funcionamento da usina Coronel Américo Teixeira, que produz energia para a vila de seus funcionários e, também, pode comercializar o excedente para a Cemig ou para outras empresas.

“Depois que começaram a vender a energia para outra operadora, percebi que o nível baixa rapidamente, coisa que não acontecia antes. A gente avisou que ia morrer peixe, mas não adiantou e, de novo, estamos vendo essa tragédia. Sem água e com esse mau cheiro o turismo fica prejudicado”, lamenta o morador de Lapinha Maurício Machado da Silva, de 34 anos.

Já o prefeito de Santana do Riacho, Fernando Burgarelli (DEM), conta que desde que o município decretou estado de calamidade, dois caminhões-pipa circulam pela Lapinha diariamente para dar apoio à população, porém, com o aumento da seca, isso gerou um movimento para perfurar novos poços, o que, segundo ele, só piora a situação, já que o lençol freático está bem abalado.

Denúncia ao MP

A Associação Comercial Lapinha da Serra fez um abaixo-assinado que contou com mais de 7 mil assinaturas pedindo o fim do rebaixamento do nível da Lagoa da Lapinha praticado pela usina. Com apoio da prefeitura, a associação fez denúncia nos ministérios públicos estadual e federal. “Renovaram a outorga em 2016 e, de lá pra cá, os danos começaram a aumentar. Mas o crescimento da especulação imobiliária e as obras desordenadas também acentuam a crise hídrica”, reforça o prefeito.

O Ministério Público Federal (MPF) informou que o último movimento do inquérito instaurado foi a solicitação à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Semad) que analise os fatos e vistorie o local, apontando, se for o caso, a existência de irregularidades em atividades envolvendo a referida lagoa. A Semad solicitou a dilação do prazo para apresentar seu relatório, que deveria ser entregue em agosto, mas até o fechamento desta reportagem não houve resposta sobre o andamento do documento.

Em julho, a Semad informou que desde o Licenciamento Corretivo (Licença de Operação Corretiva), concedido em 24/10/2017 e válido por 10 anos, “foram realizadas ao menos três fiscalizações (na PCH) pelas equipes da Semad, sendo que uma delas resultou na lavratura de auto de infração por cumprimento de condicionante ambiental fora do prazo. A Semad, que desde julho iria fazer o levantamento de informações das condicionantes e da outorga, para verificar a regularidade da operação do empreendimento”, ainda não divulgou os resultados.

Fonte: Estado de Minas

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