Abro com uma historinha de Frei Damião.

Casamento no Maranhão?

Acompanhemos a pregação do Frei em Cajazeiras, na Paraíba. Com aquela voz que parecia sair das cavernas, perorava contra os amancebados, os luxuriosos, os desonestos, desfilando todos os pecados contra os 10 mandamentos. No meio do sermão, parou e perguntou:

– Quantos aqui são amancebados? Quantos vivem juntos e não casaram?

Centenas de pessoas levantaram a mão. O frei ameaçou:

– Nesse estado de barbárie, todos vocês vão para as profundezas do inferno. E serão queimados vivos. Vivos.

Começou a descrever a terra incandescente. E arrematou: “amanhã, quero todos os amancebados, aqui, para um casamento coletivo”. Dia seguinte, lá estava a multidão. Começou a cerimônia. Frei Damião limpa o suor e joga a pergunta que ferveu na alma de muitos:

– Quem tiver algum impedimento contra esses sagrados matrimônios, que fale, agora, ou se cale para sempre.

Silêncio. De repente, vê-se, no meio da multidão, o braço no ar de Terezinha das Mercês, devota fervorosa de Senhora da Anunciação:

– Raimundinho de Doca num pode se casar, pois ele já é casado no Maranhão.

Perplexidade geral. Raimundinho, o açougueiro, toma um susto. Silêncio. Frei Damião, curioso, sai do púlpito. Multidão em transe. A companheira de Raimundinho, envergonhada, não sabe o que fazer. E muito menos o que dizer. O homem das carnes, encabulado, grita alto para todos ouvirem:

– Foi no Maranhão, no Maranhão. Faz muito tempo. É muito longe daqui. Muito longe, Frei Damião. E adepois, fui a Juazeiro para tomar as benção do padim Ciço.

O “santo italiano” do sertão nordestino baixou a cabeça. Chamou Raimundinho para perto e cochichou a penitência no ouvido:

– 100 terços e abstinência por 7 dias. Se não cumprir a ordem, os dois queimarão vivos no inferno.

Deu meia volta. Tomou lugar no púlpito. Milagre. O durão Frei Damião abençoou a todos.

Leitura da conjuntura

Nas cercanias do golpe

Os sinais não são mais tênues, ganharam intensidade. Refiro-me à expressão dos mais altos assessores do presidente, principalmente aqueles com história nas Forças Armadas. O general Heleno é um exímio mensageiro de sinais. Afinal, a maior autoridade no universo dos serviços secretos e redes de informações sigilosas. Pois acaba de dizer que um golpe não está fora dos horizontes, claro, sob a ressalva de que um evento inusitado como esse carece do manto de alta gravidade. Bolsonaro é recorrente na lembrança da tese. E até o ponderado general Mourão tem arremetido nessa direção.

Hipótese – Para confundir a cabeça dos pensadores. Não estaria havendo no planeta certa inclinação, alguma atração, pelos sistemas autoritários? A se confirmar esta hipótese, eventos políticos contemporâneos perderiam parte de seu verniz ideológico, chegando com mais assertividade em corações e mentes. A democracia não tem algumas estacas soltas? Este analista lança a hipótese, mas não é adepto dessa nova classe.

Balão de ensaio ou mais que isso?

Falar, lembrar, referir-se ao golpe, sob a alegação de que, em momento como esse, as Forças Armadas estariam cumprindo papel moderador, nos termos que defende o jurista Ives Gandra Martins, ao examinar a letra constitucional em caso de impasse e tensão entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é mais que um simples ensaio interpretativo. É dar voz a um sentimento que corre nas veias de alguns núcleos. Impasse institucional?

O que seria isso?

Tensão entre os poderes é o que não tem faltado para apimentar o caldo golpista. Mas a pimenta vem da sementeira do presidente. Por isso, a tensão existe nos vãos do palácio do planalto, cujo ocupante vez ou outra dá um estocada forte em ministros, particularmente os ministros do STF, Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Apesar de se prever arrefecimento nas investidas presidenciais, os sinais são de que Bolsonaro pode recuar agora para voltar mais adiante. Há cinco investigações sobre ele em curso.

Até o próximo ano?

Difícil é sustentar um duelo verbal até o próximo ano. Bolsonaro vai precisar do Senado e da Câmara para fazer passar sua pauta. O escolhido para compor o STF é André Mendonça, que deverá ser sabatinado. Passará? E se o presidente insistir em sua pendenga? Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, com bom senso, adia a sabatina. Arthur Lira, mais alinhado ao presidente, tende a endossar o destempero presidencial? Não. Decidirá sob o critério pragmático: interessa ao PP uma querela continuada com o Judiciário?

Golpe, que golpe?

Sob esse terreno de dúvidas, entraremos já, já, no fim do ano, com as pautas reformistas aprovadas parcialmente e todos com o olho (e o bolso) voltado para a economia. Que condição se apontaria para um golpe? Uma estrondosa vitória de Lula e ruas tomadas por grupelhos gritando palavras de ordem não aceitáveis pelas Forças Armadas? Clima de convulsão social ou apenas argumento para pôr tropas nas ruas? Poder Legislativo daria guarida a uma armação como essa? E o Judiciário ficaria apenas na observação?

Os contingentes

Os talibãs do petismo – Restritos, não teriam condições de voltar com suas bandeiras, principalmente se adornadas com os apetrechos do socialismo clássico. As classes médias – a pedra jogada no meio do lago tem, sim, condição de sustar um posicionamento radical que implicasse a tentativa de golpe – profissionais liberais, funcionários públicos, pequenos e médios proprietários, prestadores de serviços, autônomos, setores organizados. As margens carentes – Não se envolveriam diretamente em mobilizações, porquanto suas atenções estariam mais voltadas para a equação BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Mas poderão engrossar o caldo bolsonarista se o apelo maior for o assistencialismo.

Novas milícias?

No Brasil, o passado é sempre revisitado. E com direito a reviver seus hábitos, mesmo os pérfidos. É o caso do coronelismo do ciclo agrícola, que castigava o livre exercício dos direitos políticos. Os velhos coronéis da Primeira República (1889-1930) consideravam os eleitores como súditos, não como cidadãos. Criavam feudos dentro do Estado. A autoridade constituída esbarrava na porteira das fazendas. Agora, neste país urbano, o poder público tem de pedir licença para subir o morro. O império coronelista do princípio do século passado finca raízes no roçado do Rio de Janeiro. Denúncias de ontem voltam a frequentar o noticiário: comunidades chegam a ser dominadas por milícias, quadrilhas comandadas por policiais, ex-policiais, que ameaçam pessoas que não elegem seus candidatos.

Coronelismo urbano

Estamos diante de um novo coronelismo? O voto de cabresto, prática fraudulenta dos tempos da oligarquia rural, transfere-se, neste momento, para o domínio de comandantes de milícias, personagens da urbe violenta que se valem da insegurança para implantar o medo. Os currais eleitorais são comunidades miseráveis, comprimidas em morros, favelas e bairros degradados, onde o poder bandido monta formidável aparato.

Certo é que…

– Jair Bolsonaro continua em queda com maior quantidade de pessoas que desaprova seu governo.

– Luiz Inácio Lula da Silva não conta mais com seu estoque antigo de carisma.

– O maior desafio do governador João Doria é atenuar seu estoque de rejeição.

– Falta muito cimento e cal para Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, construir as pilastras de eventual candidatura presidencial.

– Mourão, o vice, tem chance numa chapa ao Senado. Falta escolher a praça.

-Ciro Gomes aparece com cara de déjà vue.

– O PP deverá chegar rachado na eleição do próximo ano.

– Geraldo Alckmin, se for candidato ao governo de SP pelo PSD, tem boas chances de vitória.

Fecho a coluna com JK.

Anos de chumbo grosso. Tempos magros, época de fechadura braba. Falar em Juscelino era, no mínimo, pecado mortal. Mudança das placas dos carros, as chamadas alfanuméricas. A Câmara Municipal de Diamantina oficia ao Contran solicitando as letras JK para as placas dos carros do município, “como uma forma de homenagear o grande estadista John Kennedy”. O Contran não atende. Um conterrâneo de Juscelino desabafa:

– Esse pessoal do Conselho deve ser republicano, eleitor do Nixon.

(Historinha de Zé Abelha)

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